Dividindo as dúvidas e os conhecimentos

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Como não só médicos, mas outros profissionais de saúde estão envolvidos no tratamento dos pacientes portadores de HIV/AIDS, formalmente estão sendo convidados a participar das discussões, enviar casos e dúvidas. Para enviar um caso ou uma dúvida, clique no final de um caso, em comentário, mesmo que não seja diretamente relacionado a ele. Será visto pela adminstradora do blog e será publicado. Se não tiver uma identidade das listadas, publique como anônimo.

Ao publicar este blog minha intenção é criar uma rede de médicos que, por meio da discussão de casos clínicos, possam atender ainda melhor seus pacientes. As dúvidas também podem ser transformadas em situações hipotéticas sobre as quais poderemos debater. Todos os interessados são bem vindos.

30/05/10 Alteração nas postagens:
Ao criar o novo nome para o nosso blog, tive que passar todos os comentários do antigo para cá e por vezes errei, colei 2 vezes ou em lugar errado e tive que apagar. É por isso que está aparecendo que algumas postagens foram excluídas por mim. Pior: não consegui copiar os seguidores para este blog.
Desculpa, mas sou uma blogueira iniciante e errante.
Tânia

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terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Caso 103- mulher, renal crônica. Dificuldades no manejo de ARV.

Desculpem se andei um tempo sem poder postar casos, mas estou com tantas atividades que ficou difícil, mas este é para encerrar nosso ano e conto com a intensa participação de vocês nas discussões e envio de referências bibliográficas.

Motivo da discussão:
1- Avaliar as trocas de medicação ARV da paciente
2- Avaliar a causa da anemia que a paciente apresentou
3- Avaliar as possíveis causas da insuficiência renal e a indicação ou não de transplante.
4- Que esquema ARV proporia para ela neste momento?

Mulher, nascida em setembro de 1978, atendida pela primeira vez pelo atual médico em Janeiro 2013. Relatava que fazia hemodiálise há 6 meses e que soube ser infectada pelo HIV no mesmo dia que foi comunicada que tinha insuficiência renal. Vinha medicada com 3TC 150 mg/dia + Zidovudina 600 mg/dia + Efavirenz 600 mg/dia. Usava irregularmente o Efavirenz, que, por vees, tomava de manhã, às vezes a noite. Dizia que quando tomava o Efavirenz pela manhã se sentia melhor que a noite porque quando tomava a noite já que passava 3 dias da semana, o dia todo em hemodiálise e quando usava o Efavirenz a noite, não dormia bem. Vinha em uso também de eritropoietina 4000U 3 x semana, e noripurum 2 x semana, Atenolol 25 mg 2 x dia, Clonazepan 0,5 mg, amlodipino 10 mg.

Vinha em supressão viral, com CD4 acima de 350 e só o que foi feito foi ajustar a dose da lamivudina para a dose de pacientes em diálise, permitir o uso do EFV pela manhã, já que era este o horário mais agradável para a paciente e ela aderiu sem nenhum problema as mudanças.

Nunca havia sido submetida a Biópsia renal, de modo que até hoje não foi estabelecida a causa da insuficiência renal desta paciente, já que a história de hipertensão dela datava de apenas 2 anos, com picos episódicos e tratamento irregular.
HFam: um primo com rim poslicístico que faleceu por insuf renal e umi toa materna que faleceu por insuf renal- ambos com menos de 50 anos.
Hipertensão: mãe

Até hoje não recebeu uma explicação de porque só consideraram para ela transplante de rim de cadáver. Nunca lhe foi pedido doador familiar.

Por motivo de troca de plano de saúde, mudou de clínica de hemodiálise e nesta mudança, lhe suspenderam, tanto a eritropoietina quanto o ferro. Entrou em anemia grave, chegando a 16 de hematócrito e teve que ser internada para transfusão de hemácias. Atribuiram a anemia ao AZT e foi solicitada a troca. Também por causa da mudança de plano de saúde, foi vista por outro colega que alterou seu esquema para TDF + 3TC + EFV.

Um mês depois voltou ao médico anterior com queixas de mal estar geral, pele ressecada e descamativa. Já em uso de 8000U 3 x semana de eritropoietina e trazendo os seguintes exames:

02/06/14
Hem 2970000  Hb 9,9  Ht 30,7  HGM 33,3  VGM 103,4 CHGM 32,2
Leuc 5080 0,8/1,6/0/0/60,6/30,5/6,5  plaqa 253000
Col 213  Tg 98  HDL 64  LDL 129  G 91 HBAlc 4,6  U 61  Creat 6,84
ác úrico 3,7  TGO 15  TGP 9  FA 149  GGT 21 BT 0,14  BD 0,08
VDRL neg
Ca 7,9  P 3,5  TSH 2,6
PCR 0,51  25(OH) Vit D 22- NÃO ESTÁ USANDO A VIT D PRESCRITA PELO NEFROLOGISTA.
Amilase 204  Lipase 60
RT-PCR HIV <20 nbsp="" p="">CD4 520- 34%  CD8 806- 52,7%  CD4/CD8 0,6
EAS- D 1016  pH 7  Ptn > 5  G < 0,3  Leuc 12 pc
Creat amostra isolada de urina 1,24 g/l - feito antes da diálise

Qual seria a sua conduta.



4 comentários:

  1. Gostaria de tecer alguns comentários e dividir algumas dúvidas com todos:

    1) Parece-me que há uma base genética familiar para a doença renal desta paciente e o HIV pode ter contribuído para a aceleração do processo. Sem biópsia renal, ficaremos na especulação. Também não sei se no momento atual, quase dois anos depois da instalação da doença renal terminal, a biópsia teria sensibilidade de mostrar alguma coisa. Sabemos que a lesão histopatológica da nefropatia associada ao HIV (HIVAN) é a glomeruloesclerose focal e segmentar, cujo quadro clínico é caracterizado pela presença de proteinúria nefrótica SEM anasarca, pois não há perda significativa de sal associada. O fato de ter um EAS recente com proteína > 5 (5 cruzes? 5 gramas?) é uma pista a favor de HIVAN, mas não podemos descartar totalmente outras causas de IRC.

    2) Também não entendi o fato da paciente não ter sido contemplada para transplante renal de doador vivo... Será por causa da incidência de doença renal na família?

    3) Não há dúvidas que a causa da anemia grave apresentada pela paciente foi a suspensão da eritropoietina e do Ferro suplementar, nada tendo a ver com o AZT. O esquema com AZT + 3TC (dose corrigida) + EFZ é um bom esquema de 1ª linha para pacientes renais compensados, embora haja a questão da toxicidade mitocondrial do AZT, que falarei mais à frente.

    4) Em pacientes renais terminais (terapia dialítica), o uso do TDF não está completamente contraindicado, podendo ser administrado em dose ajustada (1 ou 2 vezes por semana, dependendo do ClCreat). No entanto, particularmente eu não recomendo o seu uso nestes pacientes, pois é sabido que o TDF está relacionado à perda de massa óssea, assim como a insuficiência renal, pois a parada na síntese renal de Vitamina D gera um quadro de hiperparatireoidismo secundário, com desmineralização óssea. Além disso, alguns pacientes dialíticos ainda apresentam alguma diurese, fundamental para a compensação de seu quadro. A manutenção do TDF neste caso poderia 'agravar' a função renal, com evolução para anúria e descompensando o quadro clínico do paciente. Acho que o uso do TDF só se justificaria neste caso na coinfecção com o HBV. A paciente tem sorologias para HBV e HCV?

    5) Nestes pacientes, eu preferiria compor um esquema ARV sem NUC. O AZT, além da possível mielotoxicidade (não é o caso desta paciente), está relacionado à toxicidade mitocondrial e seus efeitos indesejáveis (lipodistrofia, resistência insulínica etc). O Abacavir, por sua vez, deve ser evitado em pacientes com alto risco cardiovascular e a doença renal é fator de risco sabido para eventos cardiovasculares. Assim, minha escolha de TARV seria compor um esquema sem NUC, como DRV-r + RAL preferencialmente (ou LPV-r + RAL,já que é virgem de IP). As vantagens do esquema contendo DRV-r + RAL são: a) Possui baixa toxicidade e praticamente nenhum efeito adverso relacionado (ao contrário do LPV-r); b) Não necessita de ajuste na insuficiência renal; c) Menor impacto no perfil lipídico, em contraposição ao LPV-r e d) Futuramente, com a incorporação do Dolutegravir e do DRV 800mg, poderá ser utilizado 1 vez ao dia (3 comprimidos diários, apenas).

    6) Por fim, não há dúvidas que esta paciente necessita de suplementação de D3 (Calcitriol) com ou sem Cálcio associado (ver abaixo), a fim de se evitar o hiperparatireoidismo secundário e a calcificação metastática da insuficiência renal, bem como a realização de uma densitometria óssea, mesmo a paciente estando abaixo dos 50 anos de idade.

    Beijo,

    Márcio Fernandes.

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  2. De acordo com o livro 'Ambulatório de Clínica Médica - Experiência do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - UFRJ' (1ª edição/2011):

    - Os níveis de Ca, fosfato, paratormônio (PTH) devem ser dosados periodicamente em pacientes com DRC estágios 4-5 e estágio 3 em declínio progressivo.

    - Manter dosagem de fósforo entre 2,7 e 4,6 mg/dl nos estágios 3-4 e entre 3,5 e 5,5 mg/dl, se a taxa de filtração glomerular (TFG) for menor que 50 ml/min. Os níveis de cálcio devem variar entre 8,4-9,5 mg/dl. A adição de quelantes de fosfato pode ser necessária, a cargo do nefrologista, como o carbonato de cálcio até 4,5 g/dia ou acetato de cálcio até 6 g/dia. Em pacientes que realizam diálise, pode ser necessário iniciar o quelante Sevelamer quando a dosagem de PTH for > 150 pg/ml, cálcio < 10,5 mg/dl ou na presença de calcificações vasculares. Em caso de duplo produto cálcio x fosfato > 55, evitar reposição de cálcio pelo risco de calcinoses, optando pelos quelantes não cálcicos.

    - Adicionar reposição de vitamina D, se o nível de cálcio (corrigido pela albumina sérica) persistir baixo após os níveis de fosfato estarem controlados e a dosagem de PTH permanecer elevada (> 100 pg/ml). Este controle deve ser realizado pelo Nefrologista com o uso de vitamina D ativa (D3 - Calcitriol), análogo sintético (Paracalcitol) ou calciomimético (Cinacalcet).

    - O tratamento do hiperparatireoidismo secundário envolve o controle do fósforo, cálcio e PTH. Em pacientes estágios 3-4, com níveis de PTH acima do desejado, pode ser necessária a dosagem do nível de 25(OH)vitamina D. Se o nível for < 30 ng/ml, deve ser feita suplementação por 6 meses de Ergocalciferol.

    - A paratireoidectomia deve ser realizada em casos graves: em certos casos de calcifilaxia (necrose isquêmica de pele ou cartilagens por calcificação metastática) ou calcificação extraesqueleto associada à hiperparatireoidismo; hipercalcemia grave persistente e hiperparatireoidismo grave (> 1.000 pg/ml).

    Beijo,

    Márcio Fernandes.

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    1. Márcio :
      Muito obrigada pelos excelentes comentários. A paciente não é coinfectados HCV ou HBV. Concordo completamente com você que não há qualquer motivo que justifique fazer Tenofovir por todas as razões que tão bem já explicou. É óbvio que a anemia não foi devida ao AZT e sim a suspensão da eritropoetina e do ferro. A paciente retornou para o antigo médico assistente após um mês de uso diário de TDF +3TC +EFV com queixas de mal estar geral e ressecamento na pele. Importante também ressaltar que a dose fixa de 300 mg de lamivudina do comprimido é superior a dose ajustada para pacientes em diálise. De fato, neste momento, apesar de não haver contraindicação para voltar com o esquema de AZT + 3TC em dose corrigida + EFV, a opção foi por um esquema sem NUC com RAL e LPV/r. Como naquele momento não havia RAL disponível no posto, mas ainda havia lamivudina líquida e AZT de 100 do esquema anterior dela,voltou para este esquema até que o RAL chegasse ao posto. 
      Os novos exames da paciente não estão neste momento comigo. Posto amanhã. 
      Não entendo porque nunca foi submetida a bx. Acho que por causa da hostória na família foi descartada a possibilidade de lesão renal pelo HIV, mas acho que poderia ter sido investigada. Talvez um nefrologista possa nos explicar melhor.

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  3. Olá, Tânia!
    A discussão foi excelente. Acredito que não tenham solicitado biópsia devido ao fato de a doença renal crônica já estar em estágio avançado à época do diagnóstico. Aqui é importante destacar a necessidade do diagnóstico precoce da infecção pelo HIV e, nos portadores de HIV, monitorar rigorosamente a função renal, não somente com creatinina, mas incluir fósforo, potássio, cálcio, EAS e até microalbuminúria, para que a proteinúria e outras evidências de disfunção renal sejam identificadas o mais precocemente possível.

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