Dividindo as dúvidas e os conhecimentos

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Como não só médicos, mas outros profissionais de saúde estão envolvidos no tratamento dos pacientes portadores de HIV/AIDS, formalmente estão sendo convidados a participar das discussões, enviar casos e dúvidas. Para enviar um caso ou uma dúvida, clique no final de um caso, em comentário, mesmo que não seja diretamente relacionado a ele. Será visto pela adminstradora do blog e será publicado. Se não tiver uma identidade das listadas, publique como anônimo.

Ao publicar este blog minha intenção é criar uma rede de médicos que, por meio da discussão de casos clínicos, possam atender ainda melhor seus pacientes. As dúvidas também podem ser transformadas em situações hipotéticas sobre as quais poderemos debater. Todos os interessados são bem vindos.

30/05/10 Alteração nas postagens:
Ao criar o novo nome para o nosso blog, tive que passar todos os comentários do antigo para cá e por vezes errei, colei 2 vezes ou em lugar errado e tive que apagar. É por isso que está aparecendo que algumas postagens foram excluídas por mim. Pior: não consegui copiar os seguidores para este blog.
Desculpa, mas sou uma blogueira iniciante e errante.
Tânia

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terça-feira, 15 de julho de 2014

Caso 91- feminina, 33 anos, coinfecção HIV/HCV

Motivo da discussão:

Apresentar um caso de coinfecção HIV/HCV tratado com IP + IFN + RBV e que apresentou várias complicações no curso do tratamento e saber de vocês sua opinião sobre o que foi  e o que poderia ter sido feito.


Caso:

Mulher, iniciou o acompanhamento em setembro de 2012, aos 31 anos de idade. Nesta ocasião em pré-op para colecistectomia foi positiva para anti HIV e anti HCV.

Em 1982 havia sido transfundida por ocasião de drenagem de empiema pleural (SIC). Atividade sexual desde os 17 anos. Não tinha conhecimento de ter tido nenhum parceiro infectado pelo HIV ou HCV.
Alt: 1,55m  Peso 86,5 kg  IMC 36
Exame físico sem anormalidades.

Em 09/12 CV HIV 23305 cp/ml  CD4 589/mm3- 21,1%  CD8 1515- 54,3%  CD4/CD8 0,39
CV HCV 633362 cp/ml (5,80 log)

10/12 US de abdome superior
Fígado- normal
Vesícula biliar distendida fisiologicamente, de paredes finas, apresentando cálculo móvel no seu interior, com 1,62mm. Pâncreas Normal. Baço normal. Color doppler sem áreas de vascularização anômala. 
Eco doppler de sistema porto-hepático- normal

Em 04/03/13 foi submetida a colecistectomia e a bx hepática
Cortes de tecido hepático encerrando vários espaços-porta exibindo arquitetura lobular e trabecular preservadas. O parênquima apresenta hepatócitos tumefeitos com necrose focal isolada além de frequente dilatação sinusoidal. Os espaços porta encontram-se ampliados com leve a moderado infiltrado inflamatório linfocitário que rompe a lâmina limitante e invade a periferia dos lóbulos determinando focos de necrose em sacabocados. Há ainda leve a moderada fibrose com alguns delgados septos conjuntivos. Ausência de esteatose e siderose. O fragmento é subcapsular mostrando ainda artefatos pré- analíticos. Há necessidade de correlação com aspectos clínicos e exames complementares. 
ISHAK 
Gradiação (A)1 + (B) 0 + (C) 2 + (D) 2: total =5
Estagio =2
Fibrose F2

23/03/13 
TGP 256  TGO 315  BT 0,5  BD 0,4 
RT-PCR HIV 7791 cp/ml  (3,89log) 
CD4 591- 24,6%  CD8 1162- 48,4%  CD4/CD8 0,5  
Genotipagem HCV subtipo 1B
RNA HCV 437709 UI (5,64log) 

15/04/13 
Polimorfismo do gene IL 28B
rs 12979860 - genótipo C/T- genótipo de risco: relacionado a uma baixa probabilidade de alcançcar uma resposta virológica sustentada.
Polimorfismo rs8099917 - genótipo G/T - genótipo de risco: relacionado a uma baixa probalilidade de alcançar resposta ao tratamento. 

30/04/13
Medicada com 
Telaprevir 750 mg de 8/8h + Peginterferon 180 mg/semana  + Ribavirina 500 mg 12/12h. Ácido fólico 5 mg/dia. 
Hem 4280000  Hb 14  Ht 40,4  VGM 94,4  HGM 32,7  CHGM 34,7
Leuc 5200  0/1/0/0/2/34/55/8  Plaq 174000
FA 94  GGT 300  TGP 169  TGO 147  BT 0,7  BD 0,4

Semana 2 de tratamento 
CV HCV 39 UI/ml (1,59 log). 
Cansaço, prurido cutâneo intenso.Lesões eritemato- pápulares, com áreas de coalescência em MMSS, tronco e MMII, poupando a face.
Hem 4140000  Hb 13,3  Ht 39,2  VGM 94,7  HGM 32,1  CHGM 33,9
Leuc 3600  0/0/0/0/3/30/62/5  Plaq 116000
FA 72  GGT 144  TGP 30  TGO 34  BT 0,7  BD 0,5
RT-PCR HCV 39 UI/ml (1,59log)









Medicada com uma loção hidratante a base de ácidos graxos + clobetazol creme 0,5 mg para a pele + Fexofenadina 180 mg de 8/8h, conforme orientação da imunologista e com orientação para reduzir caso melhorasse. 


Semana 4 CV HCVmenor 30 UI/ml
Quadro clínico mantido.
CD4 453- 28,6%  CD8 816- 51,5%  CD4/CD8 0,6
Hem 3700000  Hb 11,5  Ht 34  VGM 91,9  HGM 31,1 CHGM 33,8
Leuc 3300   0/2/0/0/2/42/48/6  Plaq 110000

Semana 7
Anemiou mais. Mellhor do prurido que agora era mais intenso só á noite. Permanecia com as lesões, colalescidas, mas menos descamativas. Aumentada a fexofenadina para 180 mg de 6/6 h e marcada reavaliação em uma semana.
Hem 3300000  Hb 10,2  Ht 30,2  VGM 91,5  HGM 30,6  CHGM 33,4
Leuc  3300  0/5/0/0/2/32/53/8  Plaq 108000

Semana 8 CV HCV indetectável menor 12UI/ml
Ferritina 480,7 CD4 420- 28,7%  CD8 652- 44,6%
Hem 3380000  Hb 10,5  Ht 32,4   VGM 95,9  HGM 31,1  CHGM 32,4
Leuc 3400  0/0/0/0/3/45/43/9  Plaq 148000
Melhor do prurido cutâneo. Reduzida a dose da fexofenadina.

Término do telaprevir em 03/08/2013
Em 13/08/13, 14a  semana de tratamento,  queixando-se de náuseas frequentes, redução do apetite e diarréia. Episódios de turvação visual, principalmente aos esforços. Apesar a orientação de não mais usar o corticóide tópico continuou usando no dorso. Estava cushingoide. Face de lua. Orientada para parar imediatamente o corticóde tópico.
Exames 06/08/13
Hem 3750000  Hb 11,6  Ht 37,1  VGM 98,9  HGM 30,9  CHGM 31,3
Leuc  4200  0/0/0/0/16/54/21/8  Plaq 114000
CD4 247 - 28%  CD8 437- 49,5%  CD4/CD8 0,6
Iniciado TDF + 3TC + LPV/r. Evoluiu com vômitos, necessitando de  Bromoprida 6/6h + Ondansetrona 4 mg 8/8h, mas só e melhorou com a suspensão do LPV/r e a substituição por RAL, o que ocorreu uma semana após. Ficou então com TDF + 3TC + RAL

Durante todo o tratamento tinha grande dificuldade de se alimentar por náuseas, apetite caprichoso além de apresentar distúrbio de humor e de sono. A redução dos antioeméticos foi progressiva e lenta. A paciente emagreceu 20 kg. 

21/11/13 28 semanas de tratamento HCV/ 12 semanas tratamento HIV
Hem 4210000  Hb 12,8  Ht 40,3  VGM 95,7  HGM 30,4  CHGM 31,8
Leuc 3900  0/1/0/0/2/58/31/8  Plaq 161000
CV HIV menor 40 
CV HCV não detectado  menor 12 UI/ml
CD4 442- 36,6%   CD8  393 - 32,5% 

Termino de tratamento com pouco mais de 48 semanas.
CD4 402- 36,5%  CD8 334- 30,3% CD4/CD8 1,2    
CV HIV menor 40 
CV HCV quantitativo não detectado- 6 dias após o término do tratamento menor 12 UI/ml

Após 45 dias do término do tratamento

CV HCV menor 12UI/ml
Paciente muito bem, sem queixas. Voltou a trabalhar, já recuperou 5 kg.







4 comentários:

  1. Querida Tânia, td bem?

    Este caso é muito interessante e ilustrativo. No pré tratamento, me chama atenção o IMC elevado da paciente. Sabemos que para o tratamento com P+R+TVR este fator parece ser menos importante do que para a terapêutica dupla, mas quando somamos vários fatores que podem reduzir a resposta a P+R, poderemos ter mais chance de falha. Lembro que a paciente tinha também um perfil IL28B desfavorável, além de ter coinfecção pelo HIV.

    Por outro lado, a paciente era virgem de tratamento, jovem, com F2, baixa carga viral e genótipo 1b. Todos fatores positivos para a cura.

    Pelo que eu entendi, esta paciente não foi submetida ao lead-in. Apesar de não ser obrigatório com TVR, me parece uma estratégia muito interessante para que possamos conduzir os eventos adversos, particularmente anemia, de uma forma gradual ou escalonada. São quatro semanas onde podemos preparar o paciente para o início do IP, focando na adesão. Também poderemos ter acesso a uma informação prognóstica importante com a queda do HCV RNA ao final deste período.

    Entendi que a paciente teve seu tratamento em 48 semanas pornão ter atingido o critério de eRVR. Juntamente com o aumento da chance de RVS, o encurtamento do tratamento para 24 semanas representa uma das grandes vantagens do esquema triplo. No entanto, me chamou atenção que o HCV RNA na semana 4 foi <30. Gostaria de salientar que o critério de eRVR é HCV RNA INDETECTÁVEL NA QUARTA E DÉCIMA SEGUNDA SEMANA DE TVR. Assim, temos que prestar muita atenção a este resultado. Se o paciente tem HCV RNA detectável, mas não quantificável, não teremos eRVR e, por conseguinte, não poderemos encurtar o tratamento para 24 semanas.
    Quanto à famacodermia, me pareceu grau II ou III. Acho que o médico assistente foi muito corajoso e cuidadoso ao manter o TVR e conseguir ir em frente. Minha sugestão é enfatizar muito com o paciente, antes do início do TVR, a necessidade de acesso IMEDIATO ao médico assistente, já na mínima manifestação dermatológica. Quando atuamos precocemente, na maioria das vezes, conseguimos deter a progressão da farmacodermia.

    Uma conduta muito controversa e não formalizada em bula é o uso de corticoides orais, em conjunto com os tópicos de alta potência (clobetasol) e antihistamínicos sem interações medicamentosas com o TVR. Eu, particularmente, uso em meus pacientes, precocemente, já que quando a farmacodemia se apresentar muito grave, será tarde demais. A ideia é usar precocemente, por no máximo 3-5 dias e em baixas doses (0,5 mg por kg de prednisona ao dia), já que o TVR eleva o nível sérico da maioria dos corticosteroides. Saliento que os corticosteroides não alteram os níveis séricos de TVR, exceto a dexametasona, que reduz seu nível, levando ao risco de falha virológica. Assim, esta formulação está contra-indicada. Sempre atentar para o curto período e a dose corrigida. Veja que a paciente apresentou aspecto cushingoide, apenas com o uso prolongado de corticoide tópico. Há relatos como este e devemos lembrar que, mesmo com o uso tópico, existe risco de insuficiência adrenal pós suspensão do tratamento, particularmente, quando o uso foi em áreas extensas, com dermatite e prolongado. Faz-se necessário, nestes casos, a retirada gradual do fármaco. mantendo estes cuidados, vejo poucos riscos para o uso de corticoides nestas situações.

    No mais, torço para que a paciente chegue à cura. É muito importante tratarmos os paciente, em especial os coinfectados, antes que se tornem cirróticos. Após a instalação da cirrose, mesmo a cura não exclui o a evolução para as descompensações ou HCC, apesar de diminuir a sua chance.

    Grande beijo.

    Paulo Abrão Ferreira

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  2. Oi Paulo:
    Obrigada pelos excelentes comentários:
    Respondendo sobre o corticóide tópico:
    A paciente teve o acompanhamento de uma imunologista quanto ao uso e doses de fexofenadina e o corticóide tópico e foi orientada para usá-lo por pouco tempo. Entre a semana 2 e a 7 de tratamento ela usava o cortióide tópico de forma irregular, parando quando melhorava o prurido. Foi orientada quanto a risco de cushing e a preferência de uso de corticóide oral por tempo pequeno ao tópico, caso mantivesse o prurido. Ela parou. Acontece que voltou a ter prurido e voltou a usar sem comunicar e só quando apareceu com a cara de lua, a suspeita foi levantada e confirmada. A redução foi gradual, reduzindo a frequência e o amanho da área de aplicação.
    A CV na semana 4 não estava indetectável mas havia reduzido 4 logs apontando para uma resposta satisfatória, mas não para redução do tempo de tratamento, como reforçou.
    Publiquei o caso para encorajar aos colegas a não interromper o tratamento e sim a manejar os efeitos adversos.
    Neste caso, como a paciente tinha CD4 elevado e era naïve, foi priorizado iniciar o tratamento para hepatite C. Não seria interessante somar efeitos adversos nesta fase e correr o risco de ter que suspender o tratamento para hepatite C por algum fator de confundimento ou grande dificuldade de manter todos os medicamentos. Foi monitorada com CD4 e assim que terminou o telaprevir iniciou ARV. Teve muita náusea, vômitos, mesmo após a troca para TDF + 3TC + RAL. Já estava difícil só usar o telaprevir, imagina junto com ARV.
    Também preciso destacar que ele teve muita dificuldade de fazer a ingestão calórica recomendada com o telaprevir e que muitas vezes só conseguia ingerir frutas, iogurte, sorvetes. O uso pra valer de antieméticos foi fundamental.
    45 dias após o término do tratamento pediu para fazer outra CV e continuava indetectável.

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  3. Sugestão de leitura

    http://www.hivandhepatitis.com/hcv-treatment/hcv-treatment-guidelines/4626-easl-2014-european-liver-specialists-recommend-use-of-newest-hepatitis-c-drugs

    http://www.bhiva.org/documents/Guidelines/Hepatitis/2013/HepatitisGuidelines2013.pdf

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  4. Notícias do caso:
    Exame controle 24 semanas após término de tratamento- RNA HCV indetectável < 12 UI/ml.

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