Dividindo as dúvidas e os conhecimentos

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Como não só médicos, mas outros profissionais de saúde estão envolvidos no tratamento dos pacientes portadores de HIV/AIDS, formalmente estão sendo convidados a participar das discussões, enviar casos e dúvidas. Para enviar um caso ou uma dúvida, clique no final de um caso, em comentário, mesmo que não seja diretamente relacionado a ele. Será visto pela adminstradora do blog e será publicado. Se não tiver uma identidade das listadas, publique como anônimo.

Ao publicar este blog minha intenção é criar uma rede de médicos que, por meio da discussão de casos clínicos, possam atender ainda melhor seus pacientes. As dúvidas também podem ser transformadas em situações hipotéticas sobre as quais poderemos debater. Todos os interessados são bem vindos.

30/05/10 Alteração nas postagens:
Ao criar o novo nome para o nosso blog, tive que passar todos os comentários do antigo para cá e por vezes errei, colei 2 vezes ou em lugar errado e tive que apagar. É por isso que está aparecendo que algumas postagens foram excluídas por mim. Pior: não consegui copiar os seguidores para este blog.
Desculpa, mas sou uma blogueira iniciante e errante.
Tânia

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terça-feira, 27 de março de 2012

Caso 53- Mulher, 28 anos, virgem de TARV, adenomegalia e febre

Motivo da discussão:
1-      Quais as hipóteses diagnósticas para o caso?
2-      Você solicitaria algum outro exame?
3-      Iniciaria ARV? Se sim, com que esquema entraria e em que momento?


 Paciente do gênero feminino, casada, nulípara, inciou quadro de queixas de febrícula, até 37,8°C, intermitente, principalmente noturna, de início em Dez 2011. Relatou que, semanas antes do início na febre notou que estava com um “caroço no pescoço”. Procurou atendimento médico em Fev 2012 e foi orientada a usar anti-térmico e anti-inflamatório, sendo o quadro atribuído a doença de origem viral (SIC). Notou uma pequena redução no tamanho do “caroço” e a febre desapareceu por uns dias, entretanto sentia-se adinâmica e anorética. Não apresentava tosse, congestão nasal, alterações urinárias ou intestinais nem alterações cutâneas. Voltou ao médico uns 15 dias após o primeiro atendimento. Nesta ocasião notara emagrecimento de aproximadamente 3 kg, a febre estava mais frequente e mais elevada, chegando a 38,5°C em algumas ocasiões. Data da última menstruação 11/01/2012. Ao exame, corada, hidratada, acianótica, anictérica, febril (38C). Cavidade oral sem anormalidades. Dermatite seborreica leve de face. Gânglios palpáveis na cadeia cervical anterior direita, variando de 1 a 2 cm de diâmetro, consistência pouco aumentada, levemente dolorosos a palpação. Solicitados: hemograma, VHS, PCR, PFH, sorologias para toxoplasmose, CMV, EBV, rubéola, Hepatites A e B , VDRL, anti HIV, PPD, RX de tórax. Os resultados evidenciaram IgG positiva para toxoplasmose e CMV, sorologia negativa para EBV e sífilis, PPD 4 mm, RX tórax normal. Mantinha-se febril, adinâmica, anorética e perdendo peso. Hemograma com Hb 11,5 Hemácias normocíticas e normocrômicas. Leuc  4500 com  2 eosino, 2 bastões,72 seg, 16 linf 2 mono. VHS 28, proteína C reativa 4,86, TGO 28 TGP 36, Anti HIV + Elisa e WB. Solicitada BX de gânglio, CD4/CD8, carga viral do HIV.
CD4 391- 28%  CV 24778 cp/ml (4,39log)

8 comentários:

  1. Procurou atendimento médico 2 meses após o início da febre e não foi feita investigação diagnóstica. Pra mim, a primeira hipótese diagnóstica é TB e depois linfoma. O fato de o PPD ter sido inferior a 5mm é esperado para pacientes com imunidade baixa. TB ganglionar, como todos sabemos é a forma mais frequente de TB extrapulmonar em Infectadods pelo HIV e é mais comum abaixo dos 40 anos. Em geral, o aumento ganglionar é subagudo e as cadeias ganglionares cervical anterior e posterior e supraclavicular são as mais comumente afetadas. Em geral os gânglios são indolores (a paciente relata leve dor a palpação). Neste momento eu pediria aspiraçao por agulha com BAAR e cultura para mycobacteria, se fosse possível. Caso o acesso fosse difícil, partiria para a bx. Não iniciaria ARV porque poderia haver síndrome de reconstiuição imune. Estando a paciente bem, aguardaria o resultado do BAAR e,se confirmado, ou se fosse negativo, mas a suspeita de TB continuasse como a principal, iniciaria RIPE e 15 dias após iniciaria TARV. Tem uma revisão bem legal de síndrome de reconstituição imune e TB em http://www.medscape.com/viewarticle/743969
    Destaco: síndrome de reconstiuição imune (IRIS) ocorre em 10 a 25% dos pacientes após início de ratamento ARV e a TB é a doença mais comumente associada a IRIS em países com recursos limitados. - Nota pessoal - embora, pessoalmente ache que não é falta de recursos que leva a este imenso número de casos de TB no Brasil, certamente entre nós tuberculose é a principal doença relacionada a IRIS.
    IRIS em TB ocorre de duas maneiras: piora dos sintomas da doença já diagnosticada, no mesmo ou em outro local ou por aparecimento de sintomas da doença, anteriormente oculta. IRIS em TB se caracteriza por supuração, formação de granuloma e resposta a testes de hipersensibilidade tardia. Este artigo fala de marcadores inflamatórios também.

    Nota técnica sobre as mudanças no tratamento da tuberculose no Brasil para adultos e adolescentes em acessível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/nota_tecnica_versao_28_de_agosto_v_5.pdf
    Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil. Acessível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_de_recomendacoes_controle_tb_novo.pdf
    Dependendo do período menstrual já pediria um beta HCG já que, se confirmada TB o equema ARV de escolha seria com EFV. Apesar de haver alguns trabalhos absolvendo o EFV para gestantes, ainda é consenso mundial que não está recomendado seu uso no primeiro trimestre da gestação devido ao risco teratogênico (o que foi observado em modelos animais). A última atualização do consenso do DHHS, de 27/03/2012 mantém a mesma recomendação.
    "Use of efavirenz (EFV) should be avoided in a pregnant woman during the first trimester or in a woman who desires to become pregnant or who does not or cannot use effective and consistent contraception (AIII)." Acesso em http://aidsinfo.nih.gov/contentfiles/lvguidelines/adultandadolescentgl.pdf
    O consenso brasileiro para gestantes estou mandando para o e-mail de todos.
    Precisamos lembrar de testar o marido já que, ao que parece, a paciente não sabia-se infectada pelo HIV.
    Aguardamos outros comentários

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  2. Resultado da Bx do gânglio:
    linfadenite crônica granulomatosa com necrose caseosa central.
    E agora?

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  3. Cometário Márcio FernandesParte 1

    Bom, acho que diante deste resultado, não há dúvidas de que Tuberculose ganglionar seja o principal diagnóstico, dados os achados histopatológicos da biópsia de gânglio cervical. Não foi informado sobre colorações especiais para fungos e pesquisa de BAAR, nem se o material de biópsia foi também enviado para culturas de fungos e micobactérias. Isso é sempre um ponto importante a ser lembrado, pois geralmente os cirurgiões não lembram de separar um fragmento da biópsia e colocá-lo em salina, para o envio para culturas; ao contrário, todo o material é depositado em formalina, o que inviabiliza a realização das culturas. Por este motivo, devemos sempre destacar em nossos pedidos que se separe uma parte do fragmento e o deposite em solução salina.
    Achei muito bem colocadas as observações sobre pedir o beta-HCG e lembrar de testar o esposo, mas faço uma ressalva quanto à radiografia de tórax: como a paciente não apresentava queixa respiratória evidente nem dispneia no momento da consulta, deixaria para pedir a radiografia de tórax num segundo momento, após o resultado do beta-HCG, para não expor o feto à radiação.
    Com relação ao tratamento da Tuberculose e do HIV, gostaria de levantar algumas questões quanto ao melhor início da TARV: 2 semanas, 4 semanas ou 8 semanas após o início da terapia anti-tuberculose?
    • De acordo com os estudos SAPiT, Stride (ACTG 5221) e CAMELIA, em pacientes coinfectados com HIV/TB, e com CD4+ < 50 cél/mm³, iniciar TARV nas 2 primeiras semanas após o início da terapia anti-TB mostrou-se benéfica em reduzir a mortalidade e a incidência de outras doenças definidoras de SIDA. Este benefício superou o risco aumentado de IRIS e outros eventos adversos neste grupo de pacientes. No entanto, para aqueles pacientes com CD4+ > ou igual 50 cél/mm³, a relação risco/benefício pareceu favorecer a espera para o início de TARV até o início da ‘fase de manutenção’ da terapia anti-TB (8 semanas), mas não mais do que isso. Traduzindo, "Deferral of the initiation of ART to the first 4 weeks of the continuation phase of tuberculosis therapy in those with higher CD4+ T-cell counts reduced the risks of IRIS and other adverse events related to ART without increasing the risk of AIDS or death" (SAPiT Study). Vale lembrar que nesses estudos, a maioria dos pacientes tinham TB pulmonar, portanto tais achados podem não ser aplicáveis aos pacientes com TB meníngea, que tendem a evoluir melhor quando a infecção no SNC já está bem controlada, antes de se iniciar TARV;

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  4. Comentário Márcio Fernandes parte 2

    Como esta paciente tem um CD4+ basal elevado e uma CV < 50.000 cópias/ml, eu tenderia a não iniciar TARV nas primeiras 2 semanas por conta de IRIS, mas esperaria entre o 1º e o 2º mês de terapia anti-TB, sempre monitorando de perto a contagem de CD4+, é claro. Durante esse período, ‘ganharia’ tempo avaliando tolerância ao esquema anti-TB e manejando possíveis toxicidades.
    E qual seria o melhor esquema ARV? Sem dúvida, o melhor seria TDF+3TC+EFZ, pela sua potência/durabilidade, fácil posologia, boa tolerabilidade e ‘pouca’ interação com RHZE, em comparação com outros esquemas. Mas estamos diante de uma mulher jovem, casada e nulípara em idade fértil. Na minha concepção, ninguém em sã consciência vai pretender engravidar após receber um diagnóstico recente de infecção pelo HIV e Tuberculose, mas de fato isto é perfeitamente possível. Acho que aí entra o nosso maior desafio em estabelecer uma boa relação médico-paciente e tentar convencer a paciente a ‘segurar’ a TARV com TDF/3TC/EFZ até o final do tratamento contra TB, quando então ajustaríamos para AZT/3TC + LPV/r ou até mesmo AZT/3TC + NVP (já foi demonstrado que o ‘switch’ para NVP não aumenta a incidência de hepatotoxicidade, mesmo com níveis mais elevados de CD4+, ao contrário do que ocorre quando se começa TARV contendo NVP em mulheres com CD4+ > 250/mm³ e homens > 400/mm³). Como Tania mesmo já disse, “... Apesar de haver alguns trabalhos absolvendo o EFV para gestantes, ainda é consenso mundial que não está recomendado seu uso no primeiro trimestre da gestação, devido ao risco teratogênico observado em modelos animais”. Nesse caso, se a opção TDF/3TC/EFZ se mostrar inviável pelo exposto acima, outras opções ainda são possíveis, a saber:
    • AZT/3TC + TDF ou AZT/3TC + ABC: A combinação de 3 NRTI tem capacidade de supressão viral menos duradoura, particularmente em pacientes com CV elevada, devendo ser modificada ao término da terapia anti-TB;
    • AZT/3TC ou TDF/3TC + SQV/RTV: O uso do RTV com e sem SQV foi explorado em alguns estudos e os melhores resultados na coinfecção HIV/TB (em uso de Rifampicina) foram observados nas doses de 400mg de RTV + 400mg de SQV 2x/dia. No entanto, em adultos e gestantes, a dose mais recomendada desta associação é 100mg RTV + 1.000mg SQV 2x/dia (DHHS 2011). O esquema SQV/RTV 400/400mg foi avaliado no Brasil em pacientes näive e a intolerância gastrointestinal foi o maior fator limitante desta combinação (70% dos voluntários com eventos adversos grau 3 ou 4);
    • Um estudo recente publicado no PlosOne (março/12) com 18 pacientes apenas mostrou que doses ajustadas de LPV-r coadministradas com Rifampicina na terapia anti-TB (doses dobradas de LPV-r ou dose adicional de 300mg de RTV para sobrepor o efeito indutor da Rifampicina no sistema CYP3A4) foram bem toleradas e mantiveram concentrações adequadas de LPV. Numa observação de 79 pacientes.meses, com 11/18 pacientes acompanhados até ao final do tratamento para TB, não houve eventos adversos grau 3 ou 4; 8 pacientes apresentaram elevação de transaminases grau 1 ou 2, 1 paciente não tolerou a dose adicional de RTV por conta de náuseas e 1 paciente necessitou de redução de dose de LPV/r por desenvolver diarreia. 10 dos 11 pacientes acompanhados até ao final da terapia anti-TB apresentavam CV indetectável. Um estudo conduzido na FioCruz pela equipe da Dra Valeria Rolla também achou resultados similares na coadministração de LPV-r (em doses aumentadas) e Rifampicina no tratamento de pacientes coinfectados. Vale lembrar que o uso de LPV-r (doses dobradas) juntamente com esquema anti-TB contendo Rifampicina ainda não foi liberado em nosso Consenso.

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  5. Acho importante lembrar que já há dados suficientes mostrando que o prognóstico é melhor e a mortalidade cai ao ser iniciada precocemente a terapia ARV na vigência de infecções oportunistas, incluindo tuberculose. Sem dúvida piora a adesão, tem riscos de toxicidade e intolerância, mas é importante conversar com os pacientes e tentar começar, acompanhando de perto evolução clínica e exames laboratoriais.
    Márcia Rachid

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  6. Referência enviada pela Márcia
    ACTG 5164
    Apresentado em 2008 e publicado em maio 2009: TARV precoce em pacientes com infecções oportunistas reduz risco de progressão da doença e de morte.
    Zolopa A, Andersen J, Komarow L, et al, and the ACTG A5164 Study Team. Immediate vs deferred ART in the setting of acute AIDS-related opportunistic infection: final results of a randomized strategy trial, ACTG A5164. In: Program and abstracts of the 15th Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections; February 3-6, 2008; Boston, Mass. Abstract 142.
    Received: January 15, 2009; Accepted: March 13, 2009; Published: May 18, 2009 ..... ACTG A5164 Clinical Adverse Events : Early Antiretroviral Therapy Reduces AIDS Progression/Death in Individuals with Acute Opportunistic Infections: A Multicenter Randomized Strategy Trial
    Zolopa AR, Andersen J, Komarow L, Sanne I, Sanchez A, et al. 2009 Early Antiretroviral Therapy Reduces AIDS Progression/Death in Individuals with Acute Opportunistic Infections: A Multicenter Randomized Strategy Trial. PLoS ONE 4(5): e5575. doi:10.1371/journal.pone.0005575

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  7. Notícias do caso:
    Beta HCG negativo.
    Iniciou RIPE e foi planejado início de ARV para 15 dias após o início. Nesta consulta já recebeu orientação sobre a importância de não engravidar neste período pela necessidade de uso de EFV e os riscos que correria caso a gravidez ocorresse. O esquema planaejado foi com TDF + 3TC + EFV que deverá ser iniciado esta semana.

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  8. Notícias do caso:
    Beta HCG negativo. O anti HIV do parceiro está positivo. Iniciado RIPE. Na mesma consulta foi orientada para método anticoncepcional de barreira e a importância de não engravidar neste momento já que o melhor esquema de tratamento ARV conteria EFV. Planejado para iniciar esta semana TDF + 3TC + EFV.

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