Motivo da discussão:
1- As manifestações reumáticas do paciente podem ter sido relacionadas ao HIV?
2- O tratamento antirretroviral deveria ter sido implementado desde o início do quadro?
3- A possibilidade de síndrome retroviral aguda pode ser avantada?
Caso:
Paciente do gênero masculino, 30 anos, atleta profissional.
Primeiro atendimento em 12/2009 com história de que 2 meses antes começou a ter dor no tornozelo esquerdo e a seguida por dor no tornozelo D. Procurou ortopedista que achou tratar-se de tendinite e medicou com antiinflamatório. Depois desta consulta fez uma viagem de 10 horas, ficou com edema de pés e surgiu dor no joelho. Foi medicado com corticóide, com melhora do quadro álgico e do edema, mas tinha rigidez matinal. Usou 7 a 8 dias de corticóide. Logo que interrompeu a medicação voltou a ter dor. Foi ao ortopedista que, desta vez, diagnosticou fascite plantar. Foi medicado com antiinflamatório. Além dos tornozelos e joelhos, agora tinha também lombalgia que motivou dois atendimentos em emergência hospitalar. O ortopedista o encaminhou para o reumatologista e foram feitos exames, inclusive o anti- HIV, que foi positivo. Durante o período de dor apresentou febre por 2 semanas, noturna, chegando a 38C. No momento desta consulta queixava-se de artralgia de interfalangeanas distais, com edema, mas, sem rubor, artralgia interfalangeana proximal de terceiro e quarto quirodáctilos direitos, dor nos calcanhares. Negava febre depois da já descrita anteriormente. Em uso de corticóide e metotrexate.
HPP: Lesão verrucosa por HPV região perianal. Anti HBc e Anti HBs positivos.
Antecedentes cirúrgicos: postectomia, correção cirúrgica de ruptura de ligamento de joelho esquerdo, retirada cirúrgica de lesão perianal por HPV.
H Fam: NDN
H Soc: HSH, não fumante, não usuário de drogas. Prática de exercícios físicos diários por até 6 a 8 horas.
Ao exame, aumento do volume das interfalangenas proximais de segundo e quarto QDD.
Aumento do volume das interfalangenas proximais de segundo e quarto PDD. Sem calor ou rubor. Dor a palpação.
Exames complementares:
11/10/09 Hem 5270000 Hb 14,3 Ht 43,7 VGM 82,9 HGM 27,1 CHGM 32,7
Leuc 10200 0/0/0/0/3/66/24/7 plaq 395000
EAS- normal
11/10/09 TC pelve- normal; TC abdome - normal
14/10/09 Hem 4470000 Hb 12,5 Ht 36,6 VGM 81,9 HGM 28 CHGM 34,2
Leuc 8000 1/1/0/0/70/20/8 Plaq 284000 VHS 77
FA 102 TGO 12 TGP 19 GGT 31
Ptns 7,3 Alb 37,6% Gama 31% ( 10,6 a 18,8) Alfa 1 7% (3,8 a 7,4) Alfa 2 11,2% ( 7 a 10,9%) Beta 13,1 % (8,9 a 14,4)- hipergamaglobulinemia policlonal.
Fator reumatóide 16,7 UI/ml (até 15); FAN neg; Ptn C reativa US 13 mg/dl ( até 0,3 )
IgG e IgM Chlamydia soro - neg ; Imunofenotipagem para HLA - B27 40,9% ( indeterminado)
13/10/09 Anti HBs 270 Ui/l Anti HBc + HbeAg neg Anti HBe + ; Anti HCV neg
21/10/09 Waller Rose - neg
23/10/09 Anti HIV + VDRL neg HBsAg neg
28/10/09 Ressonância magnética de sacro-ilíacas - normal.
05/11/09 Hem 4670000 Hb 12,3 Ht 37,3 VGM 79,9 HGM 26,3 CHGM 33
Leuc 8400 0/0/0/0/75/17/8 Plaq 340000 VHS 92mm
U 40 Creat 0,71 e-TFG > 60 G 83 Ferritina 494 ng/ml (22 a 291) FA 130 TGO 20 TGP 21 GGT 26
FTA-ABS IgG e IgM neg ASO 506 UI/ml PCR US 4,78 mg/dl ( até 0,3 mg/dl)
IgM CMV + IgG CMV + IgG HAV neg IgM HAV neg Hemocultura neg
Pesquisa de antígeno C. neoformans - neg
CD4 214 - 15% CD8 942 - 66% CD4/CD8 0,23
RT-PCR HIV 8892 cp/ml (3,95 log)
Pesquisa de N. gonorrhoeae em primeiro jato urina: neg
PCR para Chlamydia primeiro jato urina neg
Parasitol: cistos de Giardia intestinalis.
EAS- D 1015 pH 7,5 PPD não reator
10/11/09 Mapeamento de Retina - normal
12/11/09 IgG HAV - neg IgM HAV - neg
CD4 443 - 15% CD8 1741 - 59 % CD4/CD8 0,25
10/12/09 Reduziu ontem o corticóide para 15-10 mg e hoje 10-10mg. Mantinha metotrexate 2,5 mg. Ainda com artralgia leve, com rigidez matinal.
Trouxe exames de 02/12/09
Hem 4950000 Hb 14,1 Ht 40,5 VGM 81,8 HGM 28,5 CHGM 34,8
Leuc 7100 0/1/0/0/54/36/9 Plaq 193000
RT-PCR HIV 113821 cp/ml (5,06 log)
CD4 741- 49% CD8 1252 - 49% CD4/CD8 0,59
27/01/10 VHS - 24mm FR <11 Waller - Rose - neg
PCR US 0,84 mg/dl (até 0,3mg/dl)
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Infecção aguda pelo HIV-1 é uma síndrome muito heterogenia e quando os sintomas são mais graves e por um período mais prolongada há uma tendência de progressão mais rápida. Os sintomas da infecção aguda, descritos primeiramente por Cooper em 1985, são mononucleose-simile. Artralgia e mialgia ocorrem com uma freqüência que pode ser superior a 50%. Nosso paciente, apresentou, além do quadro articular, febre (que ocorre em até 80% das infecções agudas sintomáticas). Suas queixas surgem em out/2009 e logo em novembro está com CD4 214 - 15% CD8 942 - 66% CD4/CD8 0,23; CV HIV 8892 cp/ml (3,95 log). Neste momento já estava em uso de imunossupressores. No exame seguinte em 12/11/09 CD4 443 - 15% CD8 1741 - 59 % CD4/CD8 0,25 e no seguinte CV HIV 113821 cp/ml (5,06 log) CD4 741- 49% CD8 1252 - 49% CD4/CD8 0,59. O paciente não havia iniciado tratamento antirretroviral. Parece pertinente a hipótese de infecção aguda pelo HIV. O início precoce do tratamento ainda é controverso e o paciente, até então mantinha-se apenas em uso de imunossupressores. Vamos ver como evoluiu.
ResponderExcluirJan 2010- suspenso corticóide. Mantido Metotrexar 2,5 mg (5 cp 1 x semana) e Ac fólico 5 mg/semana.
ResponderExcluirFev/10 -Ainda com as mesmas doses de Metotrexate e ác fólico. Mantinha artralgia de interfalageanas proximais e metacarpo-falangenas, tornozelos, calcanhares. Rigidez matinal. Ao exame, aumento de volume da interfalangeana do segundo e quarto QDD e primeira e segunda metacarpofalangeanas da mão esq . Tornozelos sem aumento de volume, dor a palpação ou a mobilização.
31/03/10 Hem 4740000 Hb 14,5 Ht 43,1 VGM 90,9 HGM 30,6 CHGM 33,6
Leuc 5100 1/3/0/0/56/31/9 plaq 173000
U 33 Creat 0,91 e-TFG > 60 PFH normais.
VDRL neg
RT-PCR HBV US- não detectado.
RT-PCR HIV 33328 (4,52log)
CD4 316 - 20% CD8 885- 56% CD4/CD8 0,36
Antígeno Giardia neg (controle pós tratameneto)
EAS- normal
13/04/10 Iniciada TARV - AZT + 3TC + FPV/r
10/05/10 Hem 4460000 Hb 13,5 Ht 39,8 VGM 89,2 HGM 30,3 CHGM 33,9
Leuc 4500 0/1/0/0/34/51/14 Plaq 202000
17/07/10 Hem 3520000 Hb 11,9 Ht 36,2 VGM 102,8 HGM 33,8 CHGM 32,9
Leuc 4300 1/2/0/0/41/48/8 Plaq 239000 VHS 16
Ptn C reativa titulada 0,29 mg/dl
G 91 HBAlc 4,3 U 40 Creat 0,87 ác úrico 4,9
Col 157 HDL 44 LDL 83 Tg 51 FA 82 TGO 23 TGP 15 GGT 7 BT 0,84 BD 0,25
VDRL neg
RT-PCR HIV <40
CD4 425 - 21% CD8 1154- 57%
Creat urina 0,071 Microalbumina 0,3 mg/dl
Alb/ Creat 4,23mg albumina/g creatinina (até 30)
EAS- normal
03/08/10 TDF + 3TC + FPV/r (substituído o AZT porque caiu de 43 para 36 o Ht e queixava-se de cansaço aos esforços.
26/08/10 Hem 4000000 Hb 13,7 Ht 39,1 VGM 97,8 HGM 34,3 CHGM 35
Leuc 5800 0/3/0/0/47/42/8 Plaq 213000
11/09/10 Densitometria óssea de coluna e fêmur proximal- normal. Coluna lombar- DMO de 1,167g/cm2. DMO equivalente a 100% da média de referência populacional de indivíduos de mesma faixa etária, com um Z-score de 0DP.Fêmur proximal D- DMO de 0,974g/cm2. Equivale a 95% da média de referência populacional Z- score de -0,4DP.
20/10/10 Hem 4380000 Hb 14,2 Ht 41,8 VGM 95,4 HGM 32,4 CHGM 34
Leuc 4300 0/3/0/0/48/41/8 Plaq 178000
U 37 Creat 0,86 MDRD > 60 ác úrico 4,4
Col 146 HDL 44 LDL 75 Tg 75
EAS- D 1015 pH 6,5 Ptn traços
CD4 441- 25% CD8 917 - 52%
RT-PCR HIV <40
Creat urina 0,138 Microalbumina 0,5 mg/dl alb/creat 3,62 mg albumina/g creat
Out/10 Assintomático. Bem disposto. Suspenso metotrexate.
Março/11 Início QP para TB (viragem PPD/ contao com TB)
27/01/11 Assintomático.
Hem 4750000 Hb 14,6 Ht 43 VGM 90,5 HGM 30,7 CHGM 34
Leuc 7400 0/2/0/0/59/31/8 Plaq 237000 VHS 10mm
G 89 HbAlc 4,4 U 32 Creat 1,07 MDRD >60 ác úrico 4,8
Col 153 HDL 47 LDL 77 Tg 77
FA 116 TGO 25 TGP 19 GGT 12 BT 0,25 BD 0,13
Ca 9 P 2,6 PTH 31,4 pg/ml 25(OH) Vit D3 35,1 ng/ml
Creat urina 24 h 0,149 g/dl Microalbumina 0,4mg/dl
Alb/creat 2,68 mg alb/g creat
PCR US 0,10 mg/dl
RT-PCR HIV <40
CD4 596- 26% CD8 1193- 52% CD4/CD8 0,50
Referências bibliográficas- agradecimentos penhorados ao Marcio Fernandes. São todas do Medscape
ResponderExcluirhttp://www.medscape.com/viewarticle/514263?src=emailthis
HIV-Associated Rheumatic Conditions
http://www.medscape.com/viewarticle/703330?src=emailthis
The Relation Between Symptoms, Viral Load (VL), and Viral Load Set Point in Primary HIV Infection (PHI)
Primary HIV Infection–Predicting the Set Point
http://www.medscape.com/viewarticle/559204?src=emailthis
Prevalence of Primary HIV Infection in Symptomatic Ambulatory Patients
http://www.medscape.com/viewarticle/562500?src=emailthis
Primary HIV-1 Infection: To Treat or Not to Treat?
http://www.medscape.com/viewarticle/510883?src=emailthis
CROI 2009: Treating Primary HIV Infection Beneficially Changes Course of Disease
http://www.medscape.com/viewarticle/588450?src=emailthis
Therapy Insight: The Changing Spectrum of Rheumatic Disease in HIV Infection
http://www.medscape.com/viewarticle/580802?src=emailthis
Nosso paciente iniciou o quadro em 10/09 com artralgia de grandes e pequenas articulações, rigidez matinal, febre por 2 semanas Fator reumatóide 16,7 UI/ml (até 15); FAN neg; Ptn C reativa US 13 mg/dl ( até 0,3 ); Imunofenotipagem para HLA - B27 40,9% ( indeterminado); Waller Rose neg; hipergamaglobulinemia policlonal; VHS 77; PCR US 4,78 mg/dl. Como já comentado, artralgia pode ser uma das manifestações da infecção aguda pelo HIV. Artrite reativa ( syndrome de Reiter) é mais comum e, em geral o HLA-B26 é positive. Nosso pacientes estava numa faixa cujo resultado foi considerado indeterminado o que não exclui o diagnóstico. O tratamento poderia ser feito por ARV para supressão da replicação viral e/ou antagonistas do fator de necrose tumoral.
ResponderExcluirInfecção aguda por HIV, em geral, aparecem 2 a 6 semanas após a exposição e os sintomas podem se acomanhar de leucopenia e elevação das transaminases (ausentes no nosso caso). Os sintomas e a evolução dos níveis de linfócitos CD4 e da CV são a base para a considerar o diagnóstico de fase aguda de infecção. Em 05 de novembro 2011, logo após o início dos sintomas seu CD4 chegou a 214/mm³ e a CV era de 8892 cp/ml (3,95 log). O segundo exame foi feito 1 semana após e o CD4 estava em 443/mm³ ( embora em ambos os exames representassem 15% dos). Em 10 de dezembro, ainda sem uso de ARV, RT-PCR HIV 113821 cp/ml (5,06 log) e CD4 741- 49%. Desde o início do quadro vinha em uso de antiinflamatórios, inicialmente não hormonais e depois, corticóide e metotrexate, tendo havido melhora progressiva do quadro articular. Permanece desconhecido se o tratamento da infecção aguda pelo HIV resulta em benefícios imunológicos, virológicos ou clínicos em longo prazo. Poderia ter sido uma opção o início do ARV, de acordo com o médico assintente e desejo do paciente. De qualquer modo, o paciente foi acompanhado clínica e laboratoriamente a intervalos curtos e a decisão de início de TARV ocorreu quando estava com CD4 316 - 20% e CV de HIV 33328 (4,52log). Nesta ocasião já havia sido suspenso o corticóide e o metotrexate estava em doses progressivamente mais abaixas, sendo interrompido em out/2010. Manteve-se assimtomático e seu último exame, em Jan de 2011 mostrou boa resposta imunológica e supressão virológica (RT-PCR HIV <40 / CD4 596- 26%).
Ressalto alguns pontos do caso:
1. Devido ao potencial envolvimento renal nas doenças reumáticas, o TARV inicial foi com AZT. Como apresentou anemia, este foi substituído por TDF. A função renal foi monitorada rigorosamente.
2. A difícil decisão de iniciar ou não ARV em infecção aguda pelo HIV.
3. A viragem de PPD após contato com tuberculose e o início de QP logo que afastada a possibilidade de tuberculose em atividade.
Recomendo a leitura do Consenso do DHHS 2011 acessível em
http://www.aidsinfo.nih.gov/ContentFiles/AdultandAdolescentGL.pdf.
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