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30/05/10 Alteração nas postagens:
Ao criar o novo nome para o nosso blog, tive que passar todos os comentários do antigo para cá e por vezes errei, colei 2 vezes ou em lugar errado e tive que apagar. É por isso que está aparecendo que algumas postagens foram excluídas por mim. Pior: não consegui copiar os seguidores para este blog.
Desculpa, mas sou uma blogueira iniciante e errante.
Tânia

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quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Caso 110: HSH, 16 anos, HIV + em TARV, alteração de função hepática

Motivo da discussão 

1- Quais as possíveis causas de alteração de função hepática em paciente jovem infectado pelo HIV, em TARV?
2- Qual(is) a(s) conduta(s) a ser(erem) tomada(s)?

Jovem de 16 anos, estudante, residente na área metropolitana de São Paulo, homossexual, portador de HIV desde 19/01/2015, assintomático, sem comorbidades e negando vícios, iniciou a TARV no dia 20/02/2015. Esta consistia de lamivudina, tenofovir e efavirenz.
Exames basais absolutamente normais, com sorologias não reagentes para HBV, sífilis e HCV. HIV 1-RNA basal de 59.991 cópias/mL, contagem de linfócitos T-CD4+ de 367 células/microlitro.
Foi vacinado contra HBV, dT, HAV e pneumococo (VPP 23).
Até 04/2016, evoluiu sem qualquer queixa ou intercorrência, com carga viral mantida indetectável desde 22/06/2015. Também não houve alteração no hemograma, bioquímica ou urinálise. Após vacinação contra HBV, positivou o anti-HBs. Com relação à sorologia para HAV classe IgG, a prefeitura não disponibilizava o exame em seu menu.
Na consulta do dia 05/04/2016, relatou um sintoma vago: "gosto ruim na boca". Nos exames realizados no dia 09/05/2016, a única alteração foi AST 82 U/L. Na consulta seguinte, negou qualquer queixa.
No dia 10/10/2016, apareceu no ambulatório relatando "hepatite". Queixou-se de mal-estar, náusea e vômitos há 10 dias. Negou febre, alteração da coloração das fezes e da urina. Negou viagem recente, contato com lixo ou água de enchente. Condições ótimas de saneamento básico. Cartão vacinal atualizado. 
Ao exame físico, estado geral bom, afebril, anictérico, abdome flácido e indolor à palpação. 
Portava exames, que foram realizados em um pronto-socorro.

Exames do dia 07/10/2016:
AST 829 U/L
ALT 1.373 U/L

Exames do dia 08/10/2016:
AST 637 U/L
ALT 1.153 U/L
BT 2,17 mg/dL, BD 1,36 mg/dL, BI 0,8 mg/dL
GGT 435 U/L
Hemograma e creatinina normais.

O profissional que o atendeu no pronto-socorro suspendeu os antirretrovirais.

PERGUNTAS:
1) Quais são suas hipóteses?
2) Você teria suspendido os antirretrovirais?

11 comentários:

  1. Minha primeira hipótese é Hepatite A aguda, pela epidemiologia (HSH) e pelo quadro clínico, apesar que as transaminases costumam estar bem mais altas na fase aguda. Mesmo havendo relato que o paciente realizou vacinação contra hepatite A, não diz quantas doses foram realizadas e não houve comprovação sorológica da imunidade pós vacinal. Alguns estudos comprovam que a taxa de resposta vacinal em PVHA com CD4 baixo pode ser tão baixa quanto 9% em determinado estudo (https://bit.ly/2DA4hpr). Outras hipóteses possíveis são hepatite sifilítica, hepatite secundária ao uso de esteróides anabolizantes, algumas ervas medicinais ou anti-inflamatórios.
    Apesar de haver alguns relatos de hepatite por ARV, incluindo TDF-3TC-EFZ, além de ser incomum, habitualmente ocorre em até 4 semanas após o início da medicação. Sendo assim, eu só suspenderia os ARV, caso acreditasse que os mesmos estivessem implicados na hepatite, o que não parece ser o caso, ou se houvesse piora clínico-laboratorial progressiva ou sinais de insuficiência hepática.

    Abraços,

    Marcos

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  2. Esqueci duas hipóteses importantes, hepatite alcoólica e infecção pelo HCV. Apesar do relato de negar vícios, sempre precisamos pensar em tudo.

    Marcos
    Marcos

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  3. Obrigada pelo caso, Carlos.
    1- se não tem anti HAV, não sabemos se soroconverteu e não podemos descartar hepatite A.
    2- tem a fosfatase alcalina? Não parece ser colecistite- não tem dor, nem febre, mas não temos a fosfatase alcalina.
    3- Tem amilase e lipase para descartarmos pancreatite?
    4- EFV é metabolizado no fígado, mas não é causa comum de hepatite, ainda mais que já estava em tratamento há mais de um ano. Precisa descartar uso de outras medicações ou ervas medicinais ou chás que possam interagir.
    5- 16 anos- fazia musculação? Adquiriu massa muscular rapidamente? Foi descartado o uso de anabolizantes?
    6- tem imagem do abdome superior?
    Te respondo sobre os ARV depois dessas repostas

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  4. Então vamos lá! Comecemos pelas perguntas:
    1 - Apesar de não ter sorologia para HAV da classe IgG, havia tomado duas doses de vacina.
    2 - A informação da fosfatase alcalina não tenho aqui, porque o prontuário não está em minhas mãos. Entretanto, não havia dor, febre ou qualquer queixa que sugerisse colecistite. Também não estava ictérico, para se pensar em qualquer processo colestático.
    3 - Não solicitei lipase ou amilase, porque a alteração pronunciada das aminotransferases direcionou o raciocínio para hepatite aguda e suas etiologias. Paciente não tinha colelitíase, nem hipertrigliceridemia, nem era etilista, de maneira a levantar suspeita sobre pancreatite.
    4 - O paciente negava o uso de qualquer outra medicação que não os antirretrovirais, inclusive fitoterápicos.
    5 - Paciente magro, não faz musculação e é sedentário.
    6 - Ultrassonografia de abdome veio sem alterações.

    Vamos então às sorologias:
    Sorologia para HCV (11/10/2016): Não reagente
    Sorologia para HAV IgM (11/10/2016): Não reagente
    Sorologia para sífilis (11/10/2016): Não reagente
    Sorologia para EBV (11/10/2016): Não reagente
    HBsAg (11/10/2016): Não reagente
    Sorologia para HAV IgG (13/10/2016): Reagente
    HCV-RNA (21/10/2016): Menor que 12 cópias.

    Portanto, temos um quadro de hepatite aguda grave de origem não infecciosa.

    Perguntas:
    Em que pensar?
    Como prosseguir?
    Deve permanecer sem a TARV?

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  5. Causas de elevação do transaminases que terá que descartar seria a existência de hepatite autoinmune (autoanticuerpos positivos, hipergammaglobulinemia), hemocromatosis (ferro serico e índice de saturação de transferrina elevado), doença de Wilson (cobre elevado…) sendo em todas elas necessário a realização de biópsia hepática para confirmar o diagnóstico e pautar tratamento.

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  6. Permitam-me uma correção: O HCV-RNA veio menor que 12 UI/mL.

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  7. Boa noite...
    Concordo com as hipoteses realizadas.
    Com um quadro de transminases tão elevadas e com perfil de ALT maior que AST devemos pensar em hepatite aguda viral, sendo menos provável uma hepatite toxica, na qual a AST geralmente predomina. Como apresenta PCR indetectavel para HCV e Anti-HBs reagente nao se pensa nesses virus como causadores de hepatite aguda.
    Como também bem descrito acima a hipótese de hepatite A deve ser pensada, visto apresentar epidemiologia positiva. Claro que em jovem sempre deve-se afastar a possibilidade de uso de anabolizantes ou fitoterápicos, mas também se esperaria um padrão de AST > ALT.
    Como conduta solicitaria Anti-HAV IgM e auto anticorpos para hepatite autoimune (FAN, anti-LKM, anti musculo liso, anti mitocondria e eletroforese de proteina). Acompanhar de perto transaminases, bilirrubinas e INR, pois pode de alguma forma evoluir para hepatite fulminante. Revisaria sorologias para CMV, EBV e toxoplasmose.

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  8. Concluindo o presente caso, quero primeiramente agradecer às colaborações. Peço encarecidamente que continuem a colaborar para a formação de todos nós.
    O paciente evoluiu com rápida melhora clínica após a suspensão dos antirretrovirais, com normalização das aminotransferases. A princípio, discordei da conduta de ter-se suspenso a TARV, afinal pareceu-me descabida a hipótese de lesão hepática induzida por fármaco em um paciente que estava em uso de antirretrovirais há 1 ano e 7 meses. Também não estava com quadro de insuficiência hepática que justificasse a suspensão de medicações com metabolização hepática. Entretanto, a melhora clínica e laboratorial com a suspensão dos antirretrovirais foi tão rápida e pronunciada, que o paciente recusou tomar as medicações, por considerá-las a causa, o que eu respeitei.
    A hipótese, obviamente, era hepatite viral, sobretudo hepatite A, por uma questão epidemiológica. Pensei também em hepatite sifilítica.
    Todas as sorologias vieram negativas, inclusive a pesquisa de HCV-RNA. Paciente com boa contagem de linfócitos T-CD4+, o que torna infecção oportunista algo extremamente improvável. Portanto, causa infecciosa foi, no meu entendimento, descartada.
    A investigação de hepatite autoimune, uma hipótese de fato muito relevante, bem como hemocromatose, não chegou a ser realizada, pela melhora clínica e laboratorial rápida e marcante.
    Assintomático, com enzimas hepáticas normais, a TARV foi reintroduzida, dessa vez consistindo de lamivudina, tenofovir e atazanavir/ritonavir. Não houve recidiva do quadro. Em exames realizados no dia 30/11/2017 (1 ano depois): AST 22; ALT 30
    As aminotransferases permanecem normais até o dia de hoje.

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  9. Em um paciente jovem portador de HIV, com elevação de aminotransferases, faz-se necessário pensar em algumas hipóteses:
    1) Lesão hepática induzida por fármaco (conhecida pela sigla, em inglês: DILI): Pode ser induzida por qualquer antirretroviral, inclusive pelo efavirenz. Espera-se que aconteça nas primeiras 12 semanas após a introdução dos antirretrovirais. Geralmente, há predomínio de AST em relação à ALT. A presença de icterícia não é obrigatória. O quadro é frequentemente assintomático e a resolução se dá com a suspensão dos antirretrovirais. Em raros casos, pode evoluir com insuficiência hepática.
    2) Síndrome DRESS: Pode ser induzida por vários fármacos, inclusive por antirretrovirais, como o abacavir. Caracteriza-se por febre, linfadenopatia, rash, leucocitose e/ou eosinofilia, podendo cursar com alteração das aminotransferases. Pode ser grave e até fatal. A melhora nem sempre se dá com a suspensão da medicação, podendo haver necessidade de terapia imunossupressora. Tive um caso recente envolvendo o uso de isoniazida.
    3) Síndrome inflamatória da reconstituição imune: Pacientes coinfectados por HBV e/ou HVC, podem evoluir com elevação transitória das enzimas hepáticas após introdução da TARV, como consequência da síndrome inflamatória de reconstituição imune.
    4) Hepatite viral: Deve-se sempre levar em consideração a hipótese de hepatite viral, porque toda hepatite viral é considerada hoje uma infecção sexualmente transmissível. Temos a eperiência de surto de hepatite A no mundo todo entre homens que fazem sexo com homens. Aqui devemos nos atentar às vacinas, que devem ser prescritas o quanto antes, de preferência na primeira consulta. Comprovar a soroconversão vacinal (anti-HAV IgG ou total + anti-HBs) e revacinar, se necessário for. Deve-se também destacar a demora para soroconversão anti-HCV. Portanto, em paciente com hepatite aguda e epidemiologia para hepatite C, é necessário repetir a sorologia 1 mês depois ou solicitar o HCV-RNA na vigência do quadro.
    5) Hepatite sifilítica: Quadro raro, mas que está emergindo atualmente. Aspectos clínicos e laboratoriais simulam hepatite viral. Faz parte do complexo que é a sífilis secundária.
    6) Hepatite autoimune: É sempre uma possibilidade, uma vez excluídas outras causas. Mais comum no sexo feminino e em pessoas com outras patologias autoimunes, como vitiligo e tireoidite autoimune. O diagnóstico é bastante complexo, envolvendo marcadores sorológicos frequentemente não reagentes, biópsia hepática com achados nem sempre característicos e responsividade ao corticoide.
    6) Hepatite autoimune induzida por fármaco: Há vários fármacos que podem agir como gatilhos de hepatite autoimune, como a nitrofurantoína. Não encontrei nenhum caso descrito na literatura de hepatite autoimune induzida por antirretroviral.
    7) Hemocromatose: Hipótese interessante, embora seja uma doença pouco frequente. Deve-se pensar nela sempre que houver quadro de hepatite associada a elevação da ferritina sérica, do ferro sérico e do índice de saturação da transferrina (maior que 45%). Lembrar que a ferritina é proteína de fase aguda e eleva-se em qualquer processo inflamatório ou infeccioso. Vemos muito elevação de ferritina na hepatite C, sem que isso tenha nenhuma relevância clínica.
    8) Esteatohepatite não alcoólica: Essa hepatite não tem evolução aguda, a elevação das aminotransferases é sempre moderada e, como é de conhecimento geral, está associada à resistência insulínica (diabetes, obesidade, síndrome metabólica, uso de análogos timidínicos). Nunca confundir doença hepática gordurosa não alcoólica (esteatose) com esteatohepatite não alcoólica. A primeira é apontada em exames de imagem (ultrassom, Fibroscan), a segunda é diagnóstico exclusivamente histopatológico. Portanto, não se deve incorrer no erro de dar vitamina E a pacientes com esteatose hepática, como muito se vê na prática clínica. A vitamina E não é inócua, está associada a câncer de próstata e a risco cardiovascular aumentado.

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  10. O presente caso é de lesão hepática induzida por efavirenz. Algumas coisas o tornam muito peculiar: (1) elevação muito pronunciada das enzimas hepáticas, (2) predomínio de ALT em relação à AST, e (3) incidência muito tardia (1 ano e 7 meses após a introdução dos antirretrovirais!). Disso se conclui que devemos sempre ter em mente a possibilidade de lesão hepática induzida por fármaco (DILI), mesmo após anos de uso dos antirretrovirais.
    Ao pesquisar a literatura sobre lesão hepática tardia induzida por efavirenz, encontrei este artigo, que relata 4 casos:

    https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5971290/

    A gravidade foi variável, a maioria teve evolução benigna, mas 1 dos casos foi fatal. No primeiro caso, a hepatite aconteceu 1 ano após a introdução do efavirenz. Nos casos 3 e 4, o paciente estava em uso de nevirapina há 8 e 9 anos, respectivamente. Então conclui-se que a hepatite induzida pelo efavirenz pode vir tardiamente e pode não ter relação com o uso da nevirapina, sendo antes um dano induzido pelo fármaco que pela classe.

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