Caso 109- Masculino, 46 anos, epigastralgia, turvação visual, lesões vesículo-putulosas cotovelo E
Motivo da discussão:
1- Discutir as hipótese diagnósticas
Caso:
Masculino, 45 anos, morador de área interiorana da Região dos Lagos, procurou a emergência com lesões vesiculares e flictenas de conteúdo pustulosos no cotovelo esquerdo, associado a comprometimento dos movimentos articulares e febre alta dioturna. O quadro teve início 8 dias antes após ter passado uma tarde "mexendo no quintal" e dois dias depois procurou atendimento médico, sendo medicado com ceftriaxone. A foto da esquerda é a primeira. A da direita 7 dias depois do ceftriaxone.
Ao exame, não havia pontos de inoculação. Questionado sobre contato com animais peçonhentos negou ter visto algum, mas achava possível ter sido picado.
Que medidas você tomaria? Que exames solicitaria?
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Oi Tânia
ResponderExcluirPode ser uma super reação a algum animal peçonhento. Dra Elba Lemos tem muita experiência com casos assim e contato com especialistas do Vital Brazil
Marcia Chame
Tem hemograma, vhs, ptn c reativa,glicose, anti-streptolisina, função hepatica e renal?
ExcluirErisipela bolhosa? Cromomicose? Precisa de bx.
Lilian Ilg
Acho que não há como ignorar a “tarde no quintal”. Talvez o antibiótico não tenha contribuído em nada e a diferença entre as fotos tenha sido a própria evolução do caso. Investigaria a articulação se tivesse derrame articular considerável. Observaria, com auxílio de curativo, e na ausência de melhora, biópsia. A princípio seguiria sem antibiótico. Os sintomas sistêmicos podem ser secundários a um acidente por animal
ResponderExcluirpeçonhento. Avaliação do oftalmo se mantido a queixa. Abraços.
Tania, olhei o caso aqui e acho que a clínica é muito típica de larva migrans. Mas a turvação visual e a epigastralgia não se encaixam. Tentaria englobar tudo na dermatose por IgA linear, mas a lesão não é ultra típica também não. Enfim.Rsrs até discuti com umas amigas e o povo ficou também entre as minhas hipóteses.
ResponderExcluirJúlia Ocampo
pensaria em picada de inseto com infecção secundária. A evolução da lesão me
ResponderExcluirFez pensaria em HIV com alguma doença com apresenta atípica. Hanseniase. Psoríase invertida.
Vamos ao seguimento do caso:
ResponderExcluirHemograma
Hem 2190000 Hb 7,3 Ht 22,3 VGM 101,8 HGM 33,3 CHGM 32,7
Leuc 44300 1/1/5/3/32/32/10/
Blastos 1
Eritroblastos 1/100 leucócitos
Foi iniciado Tazocin com Vancomicina após 72 horas e solicitado parecer da hematologia.
Em discussão com infectologistas as seguintes hipóteses foram levantadas:
ResponderExcluirLyme, malária, herpes zoster, picada de aranha, leishmaniose, erisipela bolhosa.
Oi Tania, desculpa não responder antes. A lesão inicial parecia eczema agudo, principalmente pela quantidade de vesículas/bolhas o que poderia ter sido causado por algum tipo de inseto, mas o uso de somente antibiótico não ajudaria. Me lembra alguns casos de hiperreação, que necessita corticoide + antibiótico. Não lembro de ter visto necrose para zoster, fico com picada de aranha e erisipela bolhosa até em função da história prévia com plantas/terra.
ResponderExcluirAguardo o parecer da hemato. Algum tipo de leucemia?
Márcio Serra
Picada de aranha
ResponderExcluirAs picadas de espécies de Loxosceles da América do Sul (por exemplo, L. gaucho) são mais graves do que as de aranhas reclusas encontradas nos Estados Unidos e apresentam maior risco de necrose dérmica e efeitos sistêmicos.
Para pacientes com ulceração ou queixas sistêmicas, faltam evidências que apóiem o uso de tratamentos específicos para o Loxoscelismo (por exemplo, dapsona, antiveneno). Estudos observacionais em humanos e em animais sugerem que os antivenenos podem reduzir o risco de dermematose, bem como o envenenamento sistêmico e suas complicações graves (por exemplo, hemólise, insuficiência renal e coagulação intravascular disseminada). No entanto, o benefício definitivo em humanos não está bem estabelecido.
O tratamento dos achados locais agudos após uma picada de aranha reclusa envolve o cuidado local da ferida, o manejo da dor e, a profilaxia do tétano.
A maioria das mordidas pode ser tratada com intervenção mínima e curar sem cicatrizes. É necessário monitoramento quanto a desenvolvimento de infecção bacteriana secundária.
Antibióticos são prescritos somente se houver sinais de infecção, como aumento do eritema, flutuação e supuração.
Para pacientes com picada de aranha reclusa que têm um centro escuro ou outros sinais de desenvolvimento de necrose, não existe terapia comprovada além da administração de antiveneno. Antiveneno deve ser feito para pacientes com necrose dérmica moderada a grave que se apresentam para atendimento dentro de 48 horas após a picada de aranha reclusa, na América do Sul.
Se o antiveneno não estiver disponível os pacientes com necrose dérmica podem receber apenas cuidados sintomáticos e de suporte da ferida; o uso de dapsona deve ser evitado.
Diagnóstico diferencial
Lesão ulcerada solitária
- Infecções
- Doença vascular
- Pioderma gangrenoso
- vasculite
- dermatoses neutrofílicas da mão dorsal
- mordida de artrópode exagerada
Reações sistêmicas
Fonte: https://www.uptodate.com/contents/bites-of-recluse-spiders#H14
Recomendo também a leitura de uma revisão de setembro/2018 do medscape
https://emedicine.medscape.com/article/772295-treatment
Muito bacana a discussao do caso ...muitas hipoteses diagnósticas, mas acredito que o melhor ainda esta por vir! Sigo acompanhando!
ResponderExcluirErisipela bolhosa
ResponderExcluirOs sintomas prodrômicos, como mal-estar, calafrios e febre alta, geralmente começam antes do aparecimento das lesões da pele e, se presentes, geralmente ocorrem dentro de 48 horas após o envolvimento cutâneo. Prurido, ardência, sensibilidade e inchaço são queixas típicas. Outros sintomas podem incluir o seguinte: Dores musculares e articulares Náusea Cefaléia e outras manifestações sistêmicas de um processo infeccioso
Envolve as extremidades inferiores em 80% dos pacientes; o rosto é mais afetado no restante dos casos.
A lesão classicamente exibe uma borda bem levantada com demarcação abrupta da pele saudável e com margens de avanço, muitas vezes referida como o sinal de etapa. Já na celulite o envolvimento é ligeiramente mais profundo observado.
Infecções mais graves podem exibir numerosas vesículas e bolhas, juntamente com petéquias e até necrose franca. Com o tratamento, a lesão muitas vezes descama e pode resolver com alterações pigmentares que podem ou não se resolver com o tempo.
Com as imagens que recebemos neste caso, fica difícil excluir erisipela bolhosa.
Leitura recomendada:
https://emedicine.medscape.com/article/1052445-overview
https://reference.medscape.com/medline/abstract/28631307
Doença de Lyme
A doença em humanos (LD do hemisfério norte versus síndrome de Baggio-Yoshinari)
A LD aguda é tipicamente manifestada por uma lesão cutânea eritematosa em expansão. As manifestações tardias podem incluir artrite, acrodermatite crônica atrófica, linfocitoma, miocardite, conjuntivite, uveíte e sinais neurológicos.
A existência de borreliose em humanos no Brasil foi sugerida pela primeira vez pelo Dr. Yoshinari e colaboradores; no entanto, o primeiro caso no país não foi diagnosticado até 1992. O número crescente de casos identificados no Brasil mostra diferenças em relação à doença que ocorre no Hemisfério Norte. No Brasil, a ocorrência de carrapatos Ixodes ( I. auritulus e I. loricatus) está associada ao parasitismo de algumas aves e Didelphis albiventris, que não são considerados os vetores preferenciais para cavalos e humanos. Clinicamente, apesar da ocorrência de sinais como o eritema migratório e as complicações sistêmicas usuais, a doença brasileira evolui com recidivas, principalmente se o tratamento antibiótico for iniciado após três meses da infecção. Foi relatado que pacientes brasileiros têm uma alta freqüência de anticorpos contra diferentes componentes celulares autólogos. Portanto, a Borreliose brasileira (BB) foi inicialmente denominada doença de Lyme, borreliose de Lyme ou síndrome de Baggio-Yoshinari (SBY) para distingui-la da doença clássica.
Leitura recomendada
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5220628/
Herpes Zoster
A reativação do vírus varicela-zoster (VZV) que permaneceu dormente dentro dos gânglios da raiz dorsal, muitas vezes por décadas após a exposição inicial do paciente ao vírus na forma de varicela, resulta em herpes-zóster.
Se apresenta em um ou mais dermátomos. Comumente é acompanhado de dor de intensidade variável, podendo ser extremamente doloroso. Mais raramente podem ocorrer mialgia, cefaléia, mal estar geral. Febre é rara.
Nas fotos a nós enviadas, não parecia haver comprometimento dermatológico que acompanhasse um trajeto de nervo.
Leitura recomendada
https://emedicine.medscape.com/article/1132465-overview
As orientações dos principais guidelines podem ser encontradas em
https://emedicine.medscape.com/article/1132465-overview
Malária
Encontrei alguns artigos sobre malária se apresentando como urticária, entre eles um estudo realizado de junho de 2000 a dezembro de 2000, numa epidemia em Navi Mumbai. Foram relatados dez pacientes que apresentaram urticária com ou sem febre como manifestação de malária. Todos eles tinham trofozoítos da malária no sangue e a administração de tratamento antimalárico curou a urticária.
Não acho que haja uma boa correlação com o nosso caso.
Leitura recomendada:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3371535/
Boa tarde a todos!
ResponderExcluirPaciente adulto, masculino, sem patologias prévias, até onde se sabe imunocompetente, com quadro localizado de lesões vesicobolhosas, com acometimento articular e turvação visual, que pode corresponder a um quadro neurológico concomitante.
Creio que criptococose cutânea primária seja uma hipótese muito plausível, embora rara. Diferentemente da criptococose disseminada com lesões cutâneas difusas, a criptococose cutâneea primária ocorre no local do inóculo. A etiologia por Cryptococcus gattii está emergindo em imunocompetentes no mundo inteiro e pode haver disseminação a partir das lesões cutâneas, com tropismo pelo sistema nervoso central, cursando com meningite, hipertensão intracraniana e hidrocefalia, que poderiam justificar a turvação visual.
Acho importante também incluir outras micoses sistêmicas no quadro de diagnósticos diferenciais, principalmente esporotricose.
Vale lembrar que a doença de base é sistêmica e parece estar acometendo a medula óssea. Esse acometimento sistêmico torna a hipótese de leishmaniose tegumentar muito improvável. Leishmaniose visceral raramente cursa com lesões cutâneas, em nosso país. Além disso, as lesões não seguem um padrão hematogênico de distribuição, o que afasta não só a hipótese de leishmaniose visceral, como outras etiologias também.
Na falta de resposta ao ceftriaxone, considero a etiologia bacteriana pouco provável. Eu, particularmente, não escalonaria o antibiótico. Creio que o mais prudente seria partir para biópsia com cultura, pesquisa de antígeno criptocócico no sangue, sorologia para HIV, tomografia de crânio e punção lombar. O mielograma seria uma "carta na manga", a ser usada caso esta primeira rodada de exames fosse inconclusiva. Muito obrigado.
Aqui está um relato publicado de um caso muito semelhante a este que tive o prazer de acompanhar:
https://academic.oup.com/mmy/article/49/4/352/961790
Muito obrigada a todos que contribuiram na discussão do caso.
ResponderExcluirAí vai a continuação da história:
Anti HIV- negativo
Foi solicitada imunofenotipagem para doenças neoplásicas.
Material: sangue periférico
Região estudada: analisada população de pequeno e médio volume, baixa complexidade e fracaexpressão CD45, correspondendo a 38% da celularidade total.
Marcadores celulares estudados: CD4+(32%), CD13++/+++, CD33++, CD34+(42%), CD38++, CD65+, CD71+, CD117+/++, CD123++, HLD-DR +++.
+:fraca expressão; ++ moderada expressão; +++ forte expressão
Marcadores negativos:
CD3 superf;icie e citoplasmático, CD7, CD8, CD10, CD11b, CD14, CD15, CD19, CD20, CD36, CD56, cCD79a, MPO.
Laudo:
A população analisada corresponde a blastos (CD45+fraco, CD34+parcial) com positividade para antígenos de linhagem mielóide (CD13+, CD33+, CD117+) sem expressão de MPO.
HLA-DR positivo
Houve reatividade anômalae paarcial do marcador linfóide CD4.
Neutrófilos correspondem a 50% da celularidade total com desvio à esquerda.
Monócitos em torno de 9%, maduros.
Marcadores linfóides B negativos.
Conclusão: Imunofenotipagem compatível com LMA.
Correlacionar com mielograma, citogenética, métodosmoleculares, coma clínica e com a hipótese diagnostica de LMA-MO/M1.
A lesão de pele corresponde a cloroma.
O paciente foi regulado para serviço de hematologia, porém evoluiu com trombose venosa profunda paraneoplásica.
Foi muito difícil conseguir vaga para este paciente em serviço de hematologia e ele aguardou mais de 15 dias para conseguir esta transferência, mesmo com o esforço pessoal de muitos médicos direta ou indiretamente envolvidos no caso.
Ao ser transferido, iniciou quimioterapia. Incialmene ficou bem. No final da QT complicou com pancreatite necrosante. A última notícia que eu tive, no dia 31/10 é que estava grave, no CTI.
Se as células leucêmicas se disseminarem para a pele, podem provocar nódulos ou manchas, similares a erupções cutâneas comuns. Uma coleção de células de leucemia mieloide aguda sob a pele ou outras partes do corpo é denominada cloroma, sarcoma granulocítico ou sarcoma mieloide. Raramente, a leucemia mieloide aguda pode aparecer pela primeira vez como um cloroma sem células leucêmicas na medula óssea.
ResponderExcluirColoquei este caso no blog porque uma doença hematológica foi confundida com uma doença infecciosa por sua manifestação cutânea. O hemograma inicial foi atribuído, por alguns,à reação leucemóide.
Belíssima discussão, mas eu não acertaria o diagnóstico sem o hemograma. Pensaria mesmo em picada de animal peçonhento. Tomara que sobreviva.
ResponderExcluirEm complementação ao comentário sobre a inclusão de leishmaniose tegumentar americana (LTA) no diagnóstico diferencial, concordo que a historia clinica e epidemiológica não são compatíveis com infezção por Leishmania spp. Entretanto, gostaria de chamar a atenção que formas atípicas de LTA vêm sendo descritas (Guimarães et al. 2016), além de serem reportadas em casos de estado de gravidez, associação com outras doenças de base e no curso de terapias que influenciam a resposta imune como corticoides ou imunobiológicos (Souza et al. 2017).
ResponderExcluirReactivation of cutaneous and mucocutaneous tegumentary leishmaniasis in rheumatoid arthritis patients: an emerging problem? Souza RM, Andrade HF Junior, Duarte MI, Braz LM, Schubach AO, Silva FC, Amato VS. Rev Inst Med Trop Sao Paulo. 2017 Apr 3;59:e6. doi: 10.1590/S1678-9946201759006.
Atypical Manifestations of Cutaneous Leishmaniasis in a Region Endemic for Leishmania braziliensis: Clinical, Immunological and Parasitological Aspects. Guimarães LH, Queiroz A, Silva JA, Silva SC, Magalhães V, Lago EL, Machado PR, Bacellar O, Wilson ME, Beverley SM, Carvalho EM, Schriefer A. PLoS Negl Trop Dis. 2016 Dec 1;10(12):e0005100. doi: 10.1371/journal.pntd.0005100. eCollection 2016 Dec.
Alda Maria da Cruz