Motivo da discussão:
1- HSH, exposição sexual desprotegida, candidose oral exuberante, anti HIV neg. Quais as hipóteses diagnósticas?
2- VDRL positivo- que dose de penicilina Benzatina fazer? TRatar como sífilis primária, secund;aria recente ou secundária tardia?
3- Qual sua conduta no caso daqui por diante?
Paciente diabético tipo 1, em tratamento com insulina 3 IBA e regular, com queixas de início um mês antes do atendimento de prostração, icterícia e acolia fecal, sem febre. Trazia US abdominal que nào mostrava padrão obstrutivo, porém com hepatoesplenomegalia. Evoluiu com linfonodomegalias generaizadas, principalmente cervicais, diarréia, dor de garganta sem ulceras orais e lesões re rimas labiais, crostosas bilateralmente, além de lesões pustulosas evoluindo para ulceradas em região inguinal, bolsa escrotal e ânus.
Relatou exposião sexual desprotegida receptiva anal, sem ejaculação, com parceiro eventual mais ou mesnos 3 meses atrás, tendo inciado PEP com TDF + 3TC + ATV/r mais ou menos 72 horas após ocorrido e que não completou por intolerância.
História Familiar:
Pai com dislipidemia e HAS. Histórico de doença cardiovascular em praticamente toda a família paterna (HAS, AVE, aneurisma de aorta).Mãe obesa.
História da pessoa:
Tabagista de 10 cigarros/dia há 12 anos. Etilista aos finais de semana (7 – 9 latas de cerveja). Usuário de maconha diariamente, mas relata já ter feito uso de outras drogas no passado (cocaína, ecstasy, LSD).
Htc 37.6% Hb 12.7
Leuco 10.500 (0/1/0/0/2/71/17/9)
Plt 365.000
Ptn 6.4 Alb 3.5
AST 104 ALT 143 FA 1.593 GGT 954 BT 6.0
(BD 5.5)
EBV IgM
negativo; IgG positivo CMV IgM
negativo; IgG positivo Toxo IgM e IgG
negativos
Anti-HIV 1 e 2
negativo
HAV IgM e IgG
negativos
Anti-HCV negativo
HBsAg
negativo anti-HBc IgM e IgG
negativos HBeAg sem resultado anti-HBe negativo anti-HBs > 1000
VDRL 1:64 com
FTA-ABS IgG positivo,
Exame físico:
Estado geral
preservado, corado, hidratado, ictérico ++/4+, acianótico, eupneico, afebril.
- Cabeça e
pescoço: presença de candidose oral em todo o pilar faríngeo anterior. Lesões
crostosas em rimas labiais bilateralmente, sugestivas de HSV (Obs: o paciente
nega lesões prévias por herpes).
Gânglios
palpáveis em cadeias cervicais e inguinais de até 1cm de diâmetro, indolores,
móveis e de consistência elástica.
Paralisia
facial discreta de padrão central à direita, sem outros déficits focais.
- Pele:
xerodermia mais evidente em porção distal de mmii. Lesões micropapulares
difusas em dorso, sugestivas de foliculite (ou acne). Lesão hipercrômica de
aspecto residual justamamilar à direita, sem sinais de flutuação (furunculose
resolvida?). Ausência de rash maculo-papular
ou lesões palmo-plantares.
- Aparelho
respiratório e cardiovascular: sem alterações. PA 100 x 70 mmHg FC 90 bpm
- Abdome:
plano, peristáltico, indolor à palpação, sem massas palpáveis. Fígado palpável
a +/- 5 cm de RCD, indolor, bordo fino, com hepatimetria estimada em 15cm.
Traube timpânico, com ponta de baço palpável, também indolor.
-
Genitália/Ânus: pequena lesão ulcerada 0,5cm em glande, não dolorosa (cancro
sifilítico em cicatrização? HSV genital em cicatrização?). Ânus de difícil avaliação,
pela presença de pomada (paciente referindo dor à evacuação, com informação
incerta sobre a presença de saída de secreção). Presença de 2 lesões ulceradas
rasas com solução de continuidade (4cm e 2cm), dolorosas, em face interna de
coxa esquerda, sem sinais de infecção secundária.
Foi medicado com Penicilina Benzatina e solicitados outros exames.
Bom dia a todos!
ResponderExcluir1) Hipóteses:
- Síndrome retroviral aguda
- Sífilis secundária
- Hepatite C aguda
É importante destacar que é perfeitamente possível que o paciente curse com infecções simultâneas, devido à exposição sexual de alto risco. Por exemplo, HIV e sífilis, sífilis e hepatite C aguda, etc.
A sífilis secundária pode cursar com hepatite aguda colestática (inclusive é um diagnóstico diferencial que devemos ter sempre em mente). A lesão perianal que não está bem caracterizada pode ser condiloma plano. O rash da sífilis é muito variado, polimórfico. Toda lesão compatível com vasculite em adulto jovem nos obriga a pensar em sífilis secundária. Concomitância de sífilis primária com sífilis secundária é muito comum na prática clínica, ainda mais quando o indivíduo tem HIV.
Bem, o diagnóstico de sífilis nesse paciente está firmado. Cabe-nos agora pensar seriamente em neurossífilis, visto que há paralisia facial central.
Também é necessário pensar na concomitância de outras infecções, sobretudo pelo HIV, pois o cancro facilita o contágio pelo HIV. Chamam a atenção a candidose oral e a linfopenia. Então é necessário investigar síndrome retroviral aguda. O fato de a sorologia para HIV ter vindo não reagente está dentro do esperado, sobretudo porque o paciente tomou PEP. Em animais, o uso de PEP ocasionou soroconversão tardia.
A hipótese mais fraca é hepatite C aguda, mas acho prudente que seja descartada.
2) Tratamento:
O tratamento da sífilis secundária é com penicilina G benzatina dose única de 2,4 MU, em todos os consensos de peso. Entretanto, em sendo neurossífilis, o que é muito possível aqui, o tratamento deve ser feito com penicilina cristalina durante 14 dias. O IDSA recomenda finalizar esse curso de 14 dias com uma dose de penicilina G benzatina de 2,4 MU. Alternativamente, doxiciclina em dose dobrada (200 mg 12/12 horas) durante 28 dias. Embora o nível de evidência seja baixo, ela já vem sendo recomendada como alternativa em alguns consensos.
Portanto, a punção lombar nesse paciente se impõe.
3) Condução:
A- Eu realizaria punção lombar para descartar neurossífilis. O manejo da sífilis ficaria na dependência desse resultado. Também solicitaria avaliação oftalmológica, pois já tive um paciente com sífilis secundária que evoluiu com descolamento da retina. Sífilis ocular deve ser abordada como neurossífilis. Mas destaco aqui a necessidade de corticoide 24 a 48 horas antes de iniciar a terapia de neurossífilis, sobretudo quando há envolvimento ocular, para evitar a reação de Jarisch-Herxheimer. Frequentemente nos esquecemos disso e o resultado pode ser catastrófico.
B) Pediria HIV-RNA. Confirmada a concomitância de síndrome retroviral aguda, iniciaria a TARC imediatamente, já que temos evidência suficiente para afirmar que a TARC introduzida na fase aguda da infecção pelo HIV tem impacto muito positivo sobre o sistema imunológico do paciente.
Como o paciente usou a PEP de maneira inadequada, temendo mutação que comprometa o TDF (sobretudo a K65R), eu solicitaria genotipagem pré-tratamento. Assim que fosse coletada, eu já introduziria a TARC: 3TC + TDF + DTG.
C) Por fim, pediria HCV-RNA para descartar hepatite C aguda de vez.
Obrigado!
Carlos Leão.
Olá Carlos Leão. Muito obrigada pelos seus comentários.
ResponderExcluirVamos prosseguir com o caso.
VDRL 1:64 com FTA-ABS IgG positivo, sem lesões típicas de sífilis primária ou secundária ao exame físico. O médico assistente prescreveu 7.200.000 UI de Penicilina G Benzatina divididas em 3 doses semanais, para sífilis latente tardia. A princípio, não solicitou exame de líquor.
As seguintes hipóteses diagnósticas foram formuladas:
a) Síndrome retroviral aguda
b) Mononucleose infecciosa ou síndrome like também descartadas as principais hipóteses
c) Primoinfecção por herpes simplex
d) Hepatite colestática por sífilis + Neurossífilis?
e) Doença autoimune
f) Etiologia medicamentosa
g) Doença linfoproliferativa/infiltrativa
No dia seguinte a consulta colheu exames cujos resultados seguem:
Htc 42.7% Hb 14.1 Leuco 11.600 (0/1/0/0/1/75/16/7) – mantendo linfopenia relativa
Plt 407.000
D-dímero 201,3 ng/FEU PCR 3.45 mg/dL
Glic 284 HbA1c 8.8% Ur 26 Cr 0.8 Na 134 K 5.2
Col 291 (HDL 32/LDL 233) Tgl 128
Ptn 7.0 AST 137 ALT 203 FA 2.315 GGT 1.290 BT 5.0 (BD 4.7)
Sorologias:
HAV IgM e IgG negativos (repetido e confirmado)
Anti-HCV negativo (repetido e confirmado)
Anti-HIV 1 e 2 negativo (repetido e confirmado)
Carga Viral plasmática do HIV (RT-PCR): indetectável
CD4+ 675 cel/mm³ (36.8%) CD8+ 775 cel/mm³ (42.2%) Relação CD4/CD8 0.9
O caso está em discussão
As minhas hipóteses são:
Excluir1)Moniliase por descompensação do Diabetes
2)Sifilis secundária com NEUROSIFILIS ? Tenho um titulo de VDRL alto e faria uma tomografia cerebral devido a paralisia facial central, faria uma coleta de liquor com sorolia para sifilis no liquor .
Tratamento depende do resultado do liquor .Se este resultar negativa trataria com Penicilina benzatina
Tânia, foi feito mielograma?
ResponderExcluirNão foi feito mielograma a princípio, que posteriormente não se mostrou necessário.
ExcluirHipóteses Diagnósticas- linha de raciocínio
ResponderExcluira) Síndrome retroviral aguda a princípio descartada (carga viral indetectável).
b) Mononucleose infecciosa ou síndrome like também descartadas as principais hipóteses (EBV, CMV, Toxo), com sorologias IgM negativas, apenas com IgG+ (exceto para Toxo), demonstrando infecção passada.
c) Primoinfecção por herpes simplex a idade do paciente fala pouco a favor. Embora HSV possa causar lesão hepática, o padrão é principalmente de lesão celular e não colestático. A paralisia facial é de padrão central (aguardando RNM), o que fala pouco a favor de paralisia de Bell, que é periférica. O estado geral do paciente fala contra a possibilidade de meningoencefalite herpética.
d) Hepatite colestática por sífilis + Neurossífilis? uma possibilidade (ver http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0872817812000409). Uma vez que foi descartada a síndrome retroviral aguda, foi solicitada punção lombar, além da RNM de crânio, ainda não realizada.
e) Doença autoimune paciente já com histórico de DM tipo 1 (hepatite autoimune? Behçet?). Ainda não investigado.
f) Etiologia medicamentosa sem evidências na literatura de colestase por Fluoxetina, Ritalina ou Quetiapina.
g) Doença linfoproliferativa/infiltrativa ainda não iniciou investigação para esta etiologia.
Foi solicitado ao hepatologista avaliação quanto a possíveis etiologias primárias de doença hepática, com repercussão sistêmica.
ResponderExcluirSeguimento e conclusão do caso:
ResponderExcluir- Inicialmente, foi prescrito tratamento para sífilis latente tardia com 7.200.000 UI de Penicilina G Benzatina, uma vez que o paciente não apresentava todos os sinais clássicos de secundarismo (rash, roséolas) e havia a possibilidade de infecção pelo HIV, que não se confirmou posteriormente. Não foi indicada a punção lombar de imediato por conta da paralisia facial de padrão mais central (lesão focal), sendo este exame deixado para um segundo momento, após a realização de exame de imagem.
- Após checar histórico de exames no site do laboratório, foi observado que o paciente possuía um exame de VDRL negativo, coletado 6 meses antes do início do quadro atual. Como já havia tomado 4.800.000 UI de Penicilina Benzatina, o tratamento foi considerado como concluído, não sendo necessário completar as 7.200.000 UI (vide discussão abaixo),.
- A tomografia computadorizada de crânio não mostrou alterações. O paciente também havia sido encaminhado ao Oftalmologista para avaliação (apesar de não apresentar queixas visuais), mas não foi. Retornou à consulta de reavaliação com o quadro de paralisia facial completamente resolvido, o que aliás, o próprio já havia dito que vinha melhorando progressivamente desde a primeira consulta. Consideramos a possibilidade de, na verdade, ter apresentado inicialmente um padrão periférico da paralisia (paralisia de Bell - possuía lesões herpéticas labiais na 1ª avaliação), que no momento da avaliação clínica, já estava evolutivamente melhor, mimetizando um padrão mais central, sem acometimento de fronte.
- A punção lombar (após resultado de TC crânio normal) evidenciou:
. Pressão inicial: 25 cmH2O
. Pressão final: 17 cmH2O
. Aspecto: límpido e incolor
. Celularidade: 1 hemácia e 9 leuco/mm³ (70% linfócitos; 30% monócitos)
. Proteínas: 25 mg/dL Glicose: 100 mg/dL
. Gram, Zieh-Neelsen, exame direto para fungos e látex para Cryptococcus neoformans e antígenos bacterianos todos negatoivos
. VDRL neg; FTA-ABS pos; Sífilis-ELISA neg
. Sorologias IgM e IgG para Toxo, HSV, CMV e Varicela-Zoster todas negativas
. Cultura para germes comuns sem crescimento após 72h
- Após todos os resultados disponíveis, a candidíase oral foi atribuída ao DM descompensado (glicemia 284 mg%, com HbA1c 8,8%)
- Com o tratamento antibiótico, houve regressão completa da paralisia facial, das adenomegalias e das lesões ulceradas genitais e em coxa esquerda, bem como normalização dos parâmetros laboratoriais e do hepatograma. O caso foi considerado encerrado. Aguardamos resultados de VDRL evolutivo para documentação sorológica de cura.
Comentário: A hepatite colestática por sífilis, embora já descrita, possui pouco mais de 100 relatos de casos na literatura médica. Com a explosão recente no número de casos de sífilis em todo o mundo, deve ser considerada uma entidade clínica re-emergente e sempre investigada nos casos de hepatite sem etiologia definida, uma vez que compartilha a mesma via de transmissão sexual das hepatites virais B e C. Na literatura médica, sua ocorrência está mais associada aos quadros de secundarismo (doença sistêmica), embora o tratamento utilizado varie em cada publicação, desde a Penicilina G Benzatina 2.400.000 Ui em dose única até terapia venosa com Ceftriaxone.
Abaixo, alguns artigos relacionados ao tema:
ResponderExcluir1. A Forgotten Aetiology of Acute Hepatitis in Immunocompetent Patient: Syphilitic Infection (Letter to the Editor) - Journal of Internal Medicine 2006; 259: 214-215.
2. Abhinav Aggarwal, et al. An Unusual Cause of Cholestatic Hepatitis: Syphilis - Digestive Diseases Sciences 2013; 58: 3049-3051.
3. Kim GH, et al. Cholestatic Hepatitis and Thrombocytosis in a Secondary Syphilis Patient - Journal of The Korean Academy of Medical Sciences 2010; 25: 1661-1664.
4. Kim M, et al. A 38-Year-Old Manwith Uveitis, Cholestasis and Rash (Photo Quiz) - Journal of Clinical Microbiology 2013; 51(6): 1657 (resposta do Quiz na página 2016).
5. Bjekic M, et al. Early Siphilis and Syphilitic Hepatitis Following Unprotected Insertive Oral Sexual Intercourse (Case Report) - Acta Dermatovenerol Croat 2010; 18(4): 276-278.
6. Somogyi T, et al. Early Syphilitic Hepatitis - The Lancet 08.NOV.1975.
7. Noto P, et al. Early Syphilitic Hepatitis in an Immnocompetent Patient: Really So Uncommon? - International Journal of STD & AIDS 2008; 19: 65-66.
8. Marado D, et al. Sífilis - Uma Causa Rara de Hepatite Colestática - Jornal Português de Gastroenterologia 2013; 20(2): 70-73.
9. Mullick CJ, et al. Syphilitic Hepatitis in HIV-Infected Patients: A Report of 7 Cases and Review of the Literature - Clinical Infectious Diseases 2004; 39 (15.Nov).
Hoje vi uma pergunta de um paciente neste caso. Infelizmente, este blog é destinado apenas a discussão de casos clínicos por médicos. Não podemos responder questionamento de pacientes. Se puder ajudá-lo, pode enviar sua dúvida in box para o facebook da SIERJ.
ResponderExcluir