Motivo da discussão:
1-Que medidas podemos tomar para correção dos distúrbios metabólicos?
2- Que complicações podemos esperar em médio e longo prazo se os distúrbios metabólicos não se resolverem?
Caso:
Homem, 58 anos, profissional liberal, cuja atividade profissional exige viagens frequentes, muitas horas de trabalho sentado e reuniões de trabalho, muitas delas em restaurantes.
Sabe ser anti HIV+ desde 1997, quando foi diagnosticada pneumocistose em exame de escarro induzido + RX tórax compatível com pneumonia intersticial.
Tabagista dos 18 aos 45 anos. Etilista social, informando ter o hábito de ingerir 2 a 3 taças de vinho tinto/dia, por recomendação médica e, raramente tomar 1 a 3 chops/semana. Jornada de trabalho extensa, chegando a 13 horas/dia. Caminha 1 a 2 vezes/semana, 40 minutos a 1 hora e pedala durante 30 minutos outras duas vezes/semana.
Tem 1,78 e pesa 84kg (IMC 26,51). Não é hipertenso, embora informe já ter tido um pico hipertensivo relacionado à situação de stress.
Início de TARV em 1997- AZT + 3TC + IDV. Evoluiu com supressão virológica e recuperação imunológica. Este esquema só foi modificado em outubro 2000, por efeitos adversos (“pele ressecada, unha encravada”). Nesta ocasião tinha CD4 687/mm3, CD4/CD8 0,60, CV indetectável <400>AZT + 3TC + EFV, esquema que foi substituído 30 dias depois por AZT + 3TC + NFV devido a pesadelos, tonteiras, alterações de humor e sono, déficit de atenção. Negou ter falhado doses durante o esquema com EFV.
O próximo exame de controle foi feito aproximadamente 90 dias após o início do NFV.
G 68 U 22 Creat 0,6 ác úrico 6,5
Col 168 HDL 40 TG 156 FA 212
TGO 36 TGP 27 GGT 112 BT 1,40 BD 1,13
CD4 645-32% Cd8 927 - 46% CD4/CD8 0,70
PCR HIV <>CV foi de 11000cópias/ml (4,4log), embora permanecesse com CD4 estável – 630;mm3(4,04log). Foi solicitada genotipagem mas, por razões financeiras não foi realizada, porém em abril 2004, sem que nenhuma mudança terapêutica houvesse sido realizada, houve melhora laboratorial CD4 732 - 31,3% CV <>.
Permaneceu com AZT + 3TC + NFV esquema, em supressão virológica abaixo de 400 cópias e CD4 acima de 800 até 2007. Nesta ocasião, fez uma viagem de negócios que se prolongou mais do que esperava e decidiu por usar seus medicamentos em dias alternados, o que se perpetuou por quase 30 dias. Ao retornar, voltou a usar regularmente a medicação.
Um mês de depois do reinício do tratamento seu CD4 havia caído para 660/mm3(38%) e a CV estava em 23000 cópias/ml.
A genotipagem evidenciou a presença das mutações 184V, 215Y, 10I, 13V,30N, 46I.
Seu esquema foi trocado para TDF + AZT + 3TC + LPV/r.
Evoluiu com supressão virológica, mas, com alterações metabólicas, com as glicemias variando entre 98 e 110, HbAlc entre 5,1 e 5,7, Col entre 230 e 350, HDL entre 25 e 30, LDL entre 110 e 150 e Tg entre 220 e 280.
ECG normal e teste ergométrico periódicos, sem anormalidades. Doppler de carótidas e vertebrais normais.
Está orientado para fazer exercícios e seguir uma dieta com restrição de açúcares e gorduras, rica em fibras, mas tem muita dificuldade para cumprir a dieta, em especial quando viaja.
Faz uso irregular de estatinas (atorvastatina ou rosuvastatina) porque sente mialgia, em especial ao exercitar-se.
Considerando que mudanças de hábito de vida dependem da vontade do paciente, além de reforçarmos esta necessidade, como podemos interferir para melhorar o prognóstico?
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Removi o comentário anterior porque queria fazer uma observação e não consegui incluir. Corrigi abaixo.
ResponderExcluirEu não vejo razão para não fazermos análogos, ainda. A substituição do LPV/r pelo ATV/r poderia ser uma boa estratégia no que diz respeito a melhorar as alterações metabólicas. É necessário reforçar com o paciente que, apesar de o RTV precisar ser amaramzenado em geladeira se em temperaturas superiores a 25C, não há problemas para levá-lo em viagens ou em um porta comprimidos por até 12 horas fora de geladeira. Outra opção em relação a troca de ARV seria o FPV/r na dose de 1400/100, mas esta dose está indicada para quem não tem história de mutações de resistência na protease. Nesta dose, há estudos que mostra perfil lipídico favorário e poucos efeitos adversos gastrointestinais. A barreira genética é maior. Temos que falar do resultado do EuroSida que mostrou uma maior incidência de disfunçã renal entre os pacientes em uso de ATV/r, independente da associação com o TDF. Aliás, nesta coorte, o TDF foi a segunda droga com maior risco de doença renal. Não há tempo suficiente, nem estudos, para sabermos se o mesmo ocorrerá com o FPV/r, mas, até agora, não temos nada que nos afirme estar realcionado a doença renal. Se for inerente aos IP ou ao RTV, vai chegar a hora dele. Também precisamos lembrar que não há nenhuma recomendação formal de não associar TDF e ATV/r. Todos nós temos vários pacientes em uso desta associação, sem maiores problemas. O que penso é que temos que monitorar com mais frequencia a função renal, em especial em relação a proteinúria. Quanto a tirar o AZT e deixar com TDF + 3TC + IP/r, vamos ficar com aquela situação permitida mas que me incomoda, ou seja, esquema com duas drogas ativas, ao invés de 3 e esta protease já não é limpa (ele tem 10I e 46I). Minha tendência seria deixar com 3 drogas, embora num contexto de falha, a presença do AZT pode levar ao aparecimento de mais TAMS e prejudicar o desempenho do TDF. NVP não ousaria usar em homem com CD4 alto. Mesmo sabendo que não está disponível para nós, neste momento acho que teste de tropismo deveria fazer parte dos exames nas primeiras falhas. Não seria bom poder usar maraviroque neste caso? Para não ficar em cima do muro, acho que eu deixaria, hoje, com TDF + AZT + 3TC + FPV/r, mas a dose de 1400/100 não é tão segura quanto seria se tivesse a protease limpa . Vamos aguardar os especialista em cardiologia e/ou endócrino, antes de darmos nossos outros pitacos.
Anônimo disse...
ResponderExcluirCara Tania , acho que o esquema proposto por voce é bom e também acho que este paciente já vem há tantos anos em tratamento com antiretrovirais , que valeria a pena cuidar do colesterol e triglicerideos , com medicamentos .
Pensei e liguei pra Ricardo Diaz porque me incomodou a minha opinião de fazer FPV/r 1400/100 em paciente que não tem a protease limpa. Realmente não seria adequado. Teria que ser feito 1400/200 e aí não resolveria nada em relação ao perfil lipídico. O melhor seria mesmo, se não houver como controlar a dislipidemia com outras intervenções com o esquema que está, passar para TDF + 3TC + ATV/r.
ResponderExcluirEu suspenderia AZT. Não vejo vantagem (quanto à eficácia) em manter e, neste caso, acho prejudicial pela própria dislipidemia. Faria TDF/3TC e ATV/RTV no lugar de LPV/RTV, lembrando que o RTV na associação de TDF/ATV é fundamental, pois há redução de níveis plasmáticos de ATV se não usar 100mg RTV (diversos estudos). Precisa controlar de perto a função renal com essa associação, considerando-se novos conhecimentos sobre toxicidade renal do ATV/r com TDF (Eurosida). Acho importante tratar a dislipidemia com estatina (atorvastatina ou rosuvastatina), iniciando com doses baixas para ver tolerância/toxicidade. Fazer só dieta e exercícios quando o risco cardiovascular é elevado pode ser perigoso. O paciente precisa ser bem orientado e monitorado. FPV/RTV pode ser uma segunda opção.
ResponderExcluirMarcia Rachid
O Consenso da AACE é de uso de estatina para hipercolesterolemia,combinada a resina se resistente a estatina pura. Para hipertrigliceridemia a escolha é fibrato.
ResponderExcluirO consenso está acessível em http://www.aace.com/pub/pdf/guidelines/lipids.pdf
O paciente tem mialgia- dosar CPK está indicado. Pode ter mialgia mas não ter rabdomiólise.
ÔMEGA 3
Reduz a síntese hepática de triglicerídeos, aumenta o clearance dos triglicerídeos circulates e melhora significativamente o HDL. A dose é de 2 a 4 g/dia e poderá reduzie os tg em cerca de 30%.
O uso de ômega 3 parece estar relacionado a redução de mortalidade após IAM.
Os sefeitos anti-inflamatórios, anti-arterioesclerose e imunomodulatórios ainda não estão comprovados para uso clínico.
Vou colocar no e-mail de vocês uns artigos.
Olá, todos; sou cardiologista.
ResponderExcluirPara indidualizar mais este caso, gostaria de saber alguns detalhes extras:
1) Hx familial em doença vascular coronariana, periférica ou SNC na família, principalmente em parentes jovens (Masc < 40 e Fem < 50)? Neste caso, quanto mais rica a Hx, temos que começar a pensar em fatores de risco menos comuns, como Lp(a), homocisteína...
2) HbAlc (5,1 e 5,7) é um pouco baixa para estas glicemias (98 e 110); gostaria de ter frutosamina e de dosar a glicemia de jejum com intervalo diferente, se fez com 12 h, repetir com 10h; certos pacientes têm resposta gliconeogênica excerbada. Caso possível, insulinemia com HOMA; certamente vai dar HOMA-beta alterado e HOMA-IR normal.
3) Fundoscopia (FO) com escore H/A, para avaliar lesão de órgão-alvo.
4) HDL entre 25 e 30, LDL entre 110 e 150 e Tg entre 220 e 280; tais FR podem ser aceitáveis em um contexto com PCRt < 0,1 mg% (com CV indetectável), ergometria negativa e que tenha resposta pressórica ótima - o que inclui queda da PA diastólica durante e após o esforço, denotando reserva vasodilatadora adequada por pouca toxicidade endotelial.
5) Índice tornozelo-braquial (ITB): é só medir PA nos tornozelos e MMSS; tem que ser > 1,0 (i e, MS 140 mmHg e MI 150 mmHg, por exemplo)
Aos 62 anos, sexo masculino, podemos individualizar mais a nossa previsão com a cintilografia miocárdica perfusional com
Tecnécio/SESTAmibi; além disto, pediria também uma TC de tórax com escore de cálcio cardíaco. Caso ambas negativas, tem < 1% de risco de eventos em 2 anos.
Nesta linha, seria interessante também saber fibrinogenemia e dímero-d, para termos um completo perfil de efetores de aterogênese (estes, junto a PCRt US).
Caso todos os exames sejam normais, incluindo ITB, FO e resposta pressórica na ergometria, é aceitável insistir em medidas higieno-dietéticas, visto o maior grau de fatores de risco não estar se traduzindo em efetores inflamatórios/trombóticos e em cicatrizes de aterogênese passada (escore de cálcio baixo).
Porém, caso haja alterações neste terreno, é prudente, no mínimo, iniciar a prevenção primária com estatina, que no caso dele
terá de ser associada a ezetimibe, como 5 mg de rosuvastatina ou 5 a 10 mg de atorvastatina para minimizar efeitos colaterais - dosando CK total, TGO e TGP aos 30 e 90 dias de início. Deixo fibrato para o caso de falha de uso de estatina.
O teto de triglicerídeo é aceitável e não aterogênico.
Caso haja alterações no ITB ou FO, deveremos visibilizar com Duplex scan aorta e artérias de MMII; se houver alterações, aí estaremos diante de prevenção secundária, e associaremos AAS, reveremos alvos de LDLc, etc.
Caso haja alteração na cintilografia, aí é outro caso ;)
[]s
Marcelo Scofano Diniz
Olá Marcelo:
ResponderExcluirObrigada por participar da discussão. Vamos aguardar que o colega que enviou o caso responda as suas perguntas.
Tânia
Resposta para Marcelo:
ResponderExcluirPai obeso, hipertenso, tabagista pesado, falecido de morte súbita aos 68 anos.
Últimos exames:
Col 193 HDL 34 LDL 113 Tg 230
G 115 Insulina 18uUI/ml HOMA-IR 5,06 HOMA- beta 127,43
Fundoscopia normal
Isso foi tudo que o colega tinha no prontuário no momento.
Por favor pense também num contexto de disponibilidade de exames na saúde pública. Na maiora das vezes muitos exames são inexequíveis. Por favor, comente o ideal, para ajudar-nos a fazermos sempre que possível e o que pode-se fazer com o que temos disponível.
Opinião de endocrinologista
ResponderExcluirÉ preciso reforçar a mudança de hábito da dieta do paciente. Caso necesário, fazer dose baixa de rosuvastatina ou atorvastatina.Avaliar se é apenas dor ou se há algum grau de lesão muscular mais evidente. Dosar CPK. Se tiver lesão muscular, uma opção é a ezetmibe. Uso de ômega 3 associado a estatina ou a ezetemiba está bem inicado na dose de 2 a 4 g/dia. Õ metabolismo glicídico está absolutamento normal e, a meu ver, não há mais o que investir, neste sentido, no momento.
Mario Vaisman