Motivo da discussão"
1- Além da possibilidade de hepatite medicamentosa, que outras causas poderiam estar relacionadas a hepatite da paciente?
2- Dos medicamentos no caso indicados, qual seria o mais provável causador da hepatite, caso seja confirmado que se trate de hepatite medicamentosa?
3- Qual a melhor conduta diagnóstica?
Mulher, 45 anos, HIV + desde 1998. Em agosto/1999 iniciou
AZT + 3TC + NVP tinha CD4 233 e CV 140.000 cópias de vírus. Por pouca adesão em
setembro/ 2003 foi trocado esquema para D4T + 3TC + LPV com supressão da CV até
hoje. Tem marcadores virais negativos para HBV e HCV. Em janeiro/2007 foi
trocado D4T por TDF mantendo este esquema
até hoje.
Portadora de HAS controlada com HCTZ e Enalapril. Em julho/2013 iniciou Pravastatina por Colesterol total = 265.
Portadora de HAS controlada com HCTZ e Enalapril. Em julho/2013 iniciou Pravastatina por Colesterol total = 265.
Em outubro/2013 foram solicitados exames de rotina que fez em novembro/2013 porem só voltando a consulta em janeiro/2014 evidenciando TGO =226, TGP = 506. Foram repetidos exames e solicitado novos marcadores para HBV e HCV. Exames de janeiro/2014 TGO = 282 e TGP = 563 com marcadores negativos para HCV e HBV assim como USG normal.
Exames de abril/2014 TGO = 160 e TGP = 504 TAP 90% sendo
encaminhada para Hepatologista. Em julho/2014 foi sugerido troca do LPV.
Em setembro/2014 iniciado DRV + RTV.
Exames: agosto/2014 TSH 7,15
setembro/2014 TSH = 10.3 ANTI TPO maior que 600
RM setembro/2014 normal
Em 28/novembro/2014 TGO = 485, TGP = 710, TAP 48 %, Gama GT
= 99 Bb T = 25, D= 9,2, Indireta= 15,8. Como exame julho/2014 tem CD4 = 1193
(33%) e supressão virológica.
Foi suspensa
medicação por 15 dias com monitoramento semanal das tranaminases e será
solicitado RAL
Primeira hipótese da Hepatologista foi de Hepatite
medicamentosa.
Hoje soubemos que a paciente faz uso de Paracetamol 750 e dorflex varias vezes aos dia para dores em coluna.
Bom dia a todos:
ResponderExcluirComeço observando que tenho sempre o cuidado de falar com os pacientes que em caso de dor ou febre dêem preferência a usar dipirona. Paracetamol em doses elevadas é sabidamente hepatotóxico e o povo toma como se fosse água com açúcar. Já estão usando um monte de ARV com metabolização hepática, têm distúrbio lipídico, frequentemente algum grau de esteatose e aí acho realmente bastante arriscado uso de paracetamol. Dorflex é um composto de orfenadrina, dipirona e codeína. A orfenadrina é metabolizada no fígado e usa a via do CYP 450.
A toxicidade do paracetamol não se deve a ele e sim a seu metabólito, N-acetyl-p-benzoquinoneimina (NAPQI), que depleta o fígado de um antioxidante natural, a glutationa e lesa diretamente o hepatócito. A dose máxima diária é de 3 g, Nas doses standard não há contraindicação de uso de Paracetamol com IP/r, mas o paracetamol tb é metabolizado pela via do CYP 450.
Neste caso, acho que hepatite medicamentosa é uma ótima hipótese diagnóstica, mas não basta tirar os ARV. É preciso que não use nem o Paracetamol, nem o Dorflex.
Hepatite autoimune tb precisa ser considerado, como vocês já me falaram ao enviar o caso.
ResponderExcluirPara este diagnóstico diferencial precisaríamos de:
Dosagem de imunoglobulinas, onde o esperado seria o aumento de IgG.
Aumento leve a moderado de FA ocorre em até 90% dos pacientes. Foi feita? Se houver um aumento acentuado de FA durante o curso da hepatite autoimune, pode ser um indicativo de colangite esclerosante primária ou carcinoma
Anticorpo antinuclear (ANA), Anticorpo anti músculo liso (SMA), ou fígado-rim microssomal tipo 1 (LKM-1) or Citosol 1 anti- fígado (anti-LC1).
Hipoalbuminemia and TAP elevado mostram grave comrpometimento hepático.
O diagnóstico é feito por biópsia.
Há uma boa revisão em http://emedicine.medscape.com/article/172356-overview
De qualquer modo, acho que esta paciente, após este período de teste de suspensão da medicação, já merece bx.
Acesso recomendações CDC paracetamol
ResponderExcluirhttp://www.fda.gov/Drugs/DrugSafety/ucm239821.htm
o problema é a pravastatina que causa elevação das enzimas hepáticas. A estatina de escolha na TARV é a atorvastatina. Minha modesta opinião. bj
ResponderExcluirCarla Vorsatz
Boa Carla. Tá esperta.
ResponderExcluirHá casos publicados. Vejam
http://livertox.nih.gov/Pravastatin.htm
Artigo de revisão em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2048990/pdf/nihms30760.pdf
ResponderExcluirEstou mandando pra vcs o PDF
Gostaria de saber porque usaram Pravastatina ao invés de Atorvastatina ou Rosuvastatina que têm mais estudos com ARV e que parecem bem mais seguras.
ResponderExcluirGente: atenção. Cometi um erro. Dorflex não tem codeína e sim cafeína. Ato falho. Carla percebeu e me avisou.
ResponderExcluirDesculpem-me.
Tânia
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá, pessoal!
ResponderExcluirEu gostaria de saber se a paciente tem de fato hiperbilirrubinemia às custas de bilirrubina indireta. Isto faria uma grande diferença.
Bem, na minha opinião, toda vez que um paciente portador de HIV, em uso de TARC, chega com elevação das aminotransferases, é necessário que se pense em 4 hipóteses: (1) Abuso de álcool; (2) esteatohepatite não alcoólica; (3) hepatite viral; (4) hepatite medicamentosa.
Eu acredito que abuso de álcool tenha sido descartado. De qualquer maneira, gama glutamil transferase é um bom marcador de hepatite alcoólica.
Quanto a esteatohepatite não alcoólica, é muito frequente, devido à resistência à insulina. Embora peçamos sempre glicemia de jejum e hemoglobina glicada, é importante descartar que resistência à insulina é de difícil diagnóstico. Existem equações interessantes, disponíveis em aplicativos de celular, que avaliam a relação entre glicemia de jejum e insulina de jejum, principalmente a HOMA (Homeostasis Model Assessment of Insulin Resistance). Baseado em um estudo que li, eu emprego o cut-off >= 3,8 para resistência à insulina. Entretanto, nada aponta mais para resistência à insulina presença de síndrome metabólica. Acho importante sempre batermos na tecla da resistência à insulina e calcular o HOMA nem que seja anualmente, para que possamos identificá-la, porque é a causa de esteatohepatite não alcoólica.
Quanto às hepatites virais, acho importantíssimo repetir os marcadores sorológicos após restauração imune. E quando há presença de anti-HBc total (isolado ou não), solicitar HBV-DNA.
Quanto à hepatite medicamentosa, ela é muito frequente, devido às interações medicamentosas. Os inibidores de protease elevam indistintamente os níveis de estatina no sangue, aumentando o risco de hepatotoxicidade. Eu até acho que esta seja a primeira hipótese, no presente caso, porque a hepatite coincidiu com a introdução da estatina.
Por fim, tratando-se de mulher, com tireoidite autoimune, acho importantíssimo pensar em hepatite autoimune.
Eu não acho que a substituição de inibidor de protease por raltegravir seja a melhor abordagem, porque a paciente já está multiexperimentada. Nós sabemos que inibidor de protease "segura" o esquema. Mas raltegravir, não.
Tem estudos mostrando maior risco de falha virológica em 24 semanas quando é feito o switch de inibidor de protease (lopinavir/ritonavir) por raltegravir (Estudos SWITCHMRK 1 e 2 - Lancet 2010; 375 (9712): 396).
Trocar uma estatina por outra também não acho que seja uma boa opção. Em maior ou menor extensão, todas interagem com inibidor de protease, sempre tendo seus níveis séricos elevados.
Eu tentaria retirar a estatina e prescrever ezetimiba. Também solicitaria marcadores de hepatite autoimune (nessa hora, eu ligaria para um gastro, porque esse diagnóstico é dificílimo e depende de escore) e marcadores sorológicos de hepatites virais.
Não havendo normalização das aminotransferases e com todos os marcadores negativos, eu solicitaria biópsia, para elucidação.
Notícias da paciente enviadas pela pessoa que enviou o caso:
ResponderExcluirPaciente desde o dia 29/11/2014 esta sem qualquer medicação, ou melhor, somente com anti-hipertensivo.
Últimos exames 29/12/2014. Colangio
ressonância normal. TAP 87,9%, TGO 187, TGP 250 BT 3,4 BD 2,1 Junto com o
Hepatologista ficamos com o diagnóstico de hepatite medicamentosa pelo Paracetamol.
Duvida: Vamos recomeçar o ARV. Retornamos o LPV ou trocamos para RAL?
PS: Esta paciente faz LPV desde 2003 .
Bem:
ResponderExcluirPrimeiro gostaria de saber porque somente o Paracetamol ficou como o vilão da história? Como descartaram possível efeito tóxico da pravastatina ou efeito dos dois medicamentos juntos?
Segundo, gostaria de confirmar se houve elevação de BI no exame de 28/11/14 e a que o hepatologista atribuiu.
Terceiro: Porque pensam em voltar de DRV/r para LPV/r? Entre os dois IP, DRV/r tem um perfil lipídico bem mais favorável. Não vejo nenhuma vantagem nesta troca.
Quarto: Ela tem história de falha na época que fazia AZT + 3TC + NVP. Provavelmente tem alguma TAM e o esquema funciona com TDF + 3TC não só pela hipersusceptibilização do TDF, mas tb porque tem o IP associado, mas acho que fica frágil com RAL.
Quinto: estranho esta paciente não ter nenhum grau de esteatose, não acha? Ela é magra, faz bastante exercício?
Sexto: Como descartaram hepatite auto-iminue? Apenas pela melhora das PFH com a suspensão da medicação?
Sétimo: só para confirmar. Ela tem HBsAg, Anti HBc e Anti HBs negativos? Não é vacinada para hepatite B?