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30/05/10 Alteração nas postagens:
Ao criar o novo nome para o nosso blog, tive que passar todos os comentários do antigo para cá e por vezes errei, colei 2 vezes ou em lugar errado e tive que apagar. É por isso que está aparecendo que algumas postagens foram excluídas por mim. Pior: não consegui copiar os seguidores para este blog.
Desculpa, mas sou uma blogueira iniciante e errante.
Tânia

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domingo, 25 de setembro de 2011

Caso 44- Gênero feminino, 50 anos, branca, supressão virológica, distúrbio metabólico, lipodistrofia

Motivo da discussão:
1.    Qual o melhor esquema antirretroviral para a paciente que está em supressão viral sustentada mas que apresenta distúrbio metabólico e lipodistrofia?
2.    Que análise crítica você faria do caso até este momento?
3.    Que outras medidas poderiam ser sugeridas para a melhora do aspecto físico?
4.    Que exames complementares acha que estariam indicados para esta paciente e que não foram relatados no caso?

Gênero feminino, 50 anos, executiva.
Primeiro anti HIV + em 1989.
Início ARV em 1992- monoterapia AZT, DDI e terapia dupla AZT + DDI até 1996. Adandono de tratamento nesta ocasião. Em 1997, CD4 140/mm³, iniciou d4T + 3TC + IDV, depois substituído por IDV/r.CV indetectável desde então.
Evoluiu com lipoatrofia de face, membros e região glútea e acúmulo de gordura abdominal e nas mamas. Em 2006, em supressão viral, apresentou quadro de litíase urinária, sem que houvesse comprometimento da função renal e o médico assistente convenceu-a a substituir o IDV/r por LPV/r. Ficou então com d4T + 3TC + LPV/r. Evoluiu com distúrbio metabólico: G 110  HbAlc 6,2, Insulina de jejum 26, Col 212, HDL 32, LDL 124, Tg 280. Foi orientada quanto a dieta e recomendado exercícios regulares. Não aceitou a sugestão de modificação do esquema antirretroviral porque tinha medo de não se adaptar ou ter outros efeitos colaterais. Embora preocupada coma a aparência, não tinha intolerância a nenhum dos ARV que usava. Trata-se de paciente de padrão econômico elevado. Foi medicada com rosiglitazona 4 mg/dia, já que alguns estudos apontavam que, além da resistência insulínica, poderia haver alguma melhora da lipoatrofia periférica.
Evoluiu com redução da glicemia, porém com dislipidemia mais acentuada. Col 239, Tg 447, HDL 22, LDL 119. Foi sugerida a suspensão da rosiglitazona e a troca dos ARV, mas, como a paciente achava que estava melhorando da aparência física, não aceitou. Foi acrescentado fenofibrato 200 mg/dia. Revisão feita 3 mese, Tg 272, Col 249, HDL 30, LDL 143, G 103, HbAlc 5,3. Procurou o endocrinologista que acrescentou 10 mg de atorvastatina/dia. Já não tinha a mesma percepção sobre a melhora da lipoatrofia e aceitou discutir a troca do esquema ARV.
Que esquema antirretroviral você sugeriria? Que outras medidas poderiam ser tomadas com relação a melhora da aparência física da paciente?

8 comentários:

  1. olá Tânia,

    copio o Dr. Enéas Lima que trabalha conosco e que tem tbém larga experiência com estes pacientes.

    O caso em questão representa um grupo de pacientes cada vez mais frequente e para os quais muitas vezes pedem nossa opinião. Antes de mais nada quero deixar claro que as opiniões se baseiam, acima de tudo, em evidências científicas dos estudos com prevenção cardiovascular para a população geral. Não há ainda estudos prospectivos com desfechos "duros" (morte ou eventos cardioivasculares) para a popuklação HIV+ por uma questão de tempo. O seguimento necessário para estes estudos certamente será maior do que 5 ou 10 anos para resultados conclusivos.

    Então vamos lá:


    Motivo da discussão:
    1. Qual o melhor esquema antirretroviral para a paciente que está em supressão viral sustentada mas que apresenta distúrbio metabólico e lipodistrofia?
    Não concordo com a mudança ou escolha de esquema antiretroviral conforme o distúrbio metaból8ico ou risco cardioviascular. Não há nenhuma evidência a favor desta conduta. Aliás a evidência é contrária: ao escolher ou trocar por Abacavir, o perfil metabólico melhorou mas os pacientes morreram mais de infarto. ISto porque estão olhando só para a variável perfil lipídico com destaque para trigilicérides o que representa apensas parte da questão. Dioença cardiovascular é multifatorial. Devemos olhar para o conjunto. Estudos posteriores sugeriram que o Abacavir aumentar o risco de trombose vascular, apesar do menor immpacto sobre os lípides.


    2. Que análise crítica você faria do caso até este momento?

    No que diz respieto ao perfil metabólico, que a paciente estava certa em não querer trocar de remédio. Eu usaria uma dose maior de fibrato antes de acrescentar atorvastatina. Além disto investigaria um possível diagnóstico de resistência à insulina por meio de glicemia depois de carga de glicose e dosagem de insulina sérica. Talvez, conforme o resultado, introduzir metformina. Lembrem-se que a rosiglitazona foi retirada do mercado pelo risco cardioivascular associado.


    3. Que outras medidas poderiam ser sugeridas para a melhora do aspecto físico?

    Prefiro não opinar sobre este tema pois não é minha especialidade.


    4. Que exames complementares acha que estariam indicados para esta paciente e que não foram relatados no caso?

    Glicemia pós=carga de glicose, insulina sérica e teste ergométrico tendo em vista a presença de dois potenciais fatores de risco (colesterol e glicemia elevados)

    Grande abraço,

    Bruno Caramelli

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  2. Gostaria de acrescentar algo ao comentário do Bruno. Fico sempre muito mais tranquila quando posso trabalhar junto com especialistas com ampla experiência no manejo de pacientes portadores do HIV, pois a conduta é bem diferente. No caso de alterações renais, claro que devemos retirar o medicamento nefrotóxico, mas nesses casos de alterações CV ou metabólicas nem sempre há indicação de troca ou nem sempre é possível, especialmente nos "resgates". Daí a enorme importância de ter um bom cardiologista e/ou endocrinologista vendo o paciente para dar suporte em relação ao tratamento do distúrbio em questão sem comprometer a eficácia da TARV quando não há como fazer trocas ou quando trocas são desnecessárias ou mesmo estressantes (com outros riscos).

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  3. A respeito da meta-análise feita pelo FDA que pode ser acessada em http://www.fda.gov/Drugs/DrugSafety/ucm245164.htm:
    O número de infartos é muito pequeno para qualquer decisão definitiva a favor ou contra o abacavir. Alías como era a coorte do DAD que saiu no New England condenando o abacavir e à qual eu fiz referência no meu texto. Minha tese não é esta, ou seja, condenar o abacavir. Minha tese é criticar aqueles que sugeriram que o abacavir poderia ser a salvação da lavoura por ter menor impacto sobre os lípides e portanto reduzir o risco cardiovascular.

    No momento o que temos é que no mínimo não existe esta redução do risco e portanto não se justifica escolher o trocar o esquema pra reduzir o risco. E no máximo, o risco pode estar aumentado.

    Bruno Caramelli

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  4. Olá todos:
    Primeiro quero agradecer ao Dr Bruno Caramelli pelos seus comentários.
    Gostaria de discutir alguns pontos:
    1- Esquema de tratamento da paciente: d4T + 3TC + LPV/r
    A Estavudina, devido aos seus efeitos adversos, mesmo a OMS que recoemnda esquemas de baixo custo para regiões de baixos recursos financeiros, já retirou a estavudina como droga de escolha para primeiro esquema e substituiu por AZT ou TDF. Esta informação está disponível em http://whqlibdoc.who.int/publications/2010/9789241599764_eng.pdf
    Há evidências de que o uso de estavudina aumenta o risco de alterações lipídicas além de apresentar inúmeros efeitos adversos relacionados à toxicidade mitocondrial, incluindo aí lipodistrofia.
    BMC Infect Dis. 2011 Sep 17;11(1):244. http://www.biomedcentral.com/1471-2334/11/244
    J Acquir Immune Defic Syndr. 2004;37(suppl 1):S30-S35.
    Aumentos de colesterol também são maiores entre pacientes em uso de esquemas que contenham d4T.
    Encontrei uma revisão muito boa que recomendo que leiam na Expert Opin. Drug Saf. (2011) 10(3):389-406. Vou mandar por e-mail para todos.

    2- Troca do esquema ARV:
    A meu ver a metanálise publicada pelo FDA este ano dá uma segurança maior para o uso do ABC. Concordo com o Bruno que, como todo estudo, tem suas limitações. Os estudos que relacionaram o ABC a maior risco de IAM também têm várias limitações e, sempre ficou sob suspeita porque os estudos de liberação da medicação não tinham mostrado risco aumentado para DCV. De qualquer modo, os estudos são contraditórios sim e podem causar um certo desconforto, mas, em relação a perfil lipídico e a lipodistrofia o ABC tem um desempenho mais favorável. Sugiro dar uma olhada em:
    http://www.fda.gov/Drugs/DrugSafety/ucm245164.htm
    http://www.aidsmap.com/Abacavir-and-cardiovascular-risk-contradictory-findings-continue-to-emerge-mechanisms-still-unclear/page/1835518/
    http://www.medscape.com/viewarticle/582580
    Há também diversos estudos favoráveis ao Tenofovir em pacientes com distúrbios metabólicos.
    Antivir Ther. 2010;15(2):227-33. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20386078
    Antivir Ther. 2007;12: 407-415 http://www.intmedpress.com/serveFile.cfm?sUID=42389fbb-9eca-4a3a-a514-e0630ef9d42d
    AIDS, 2006; 20(16): 2043-2050 doi: 10.1097/01.aids.0000247574.33998.03
    http://journals.lww.com/aidsonline/Fulltext/2006/10240/A_randomized_comparative_trial_of_tenofovir_DF_or.6.aspx

    No caso em discussão, a lipoatrofia periférica e a lipo-hipertrofia central merecem atenção especial. Estudo apresentado no CROI 2011 ressalta que a diminuição da massa muscular e aumento da gordura visceral aumenta a mortalidade.
    http://www.clinicaloptions.com/HIV/Conference%20Coverage/Retroviruses%202011/Tracks/From%20Podium%20to%20Practice/Capsules/76.aspx
    3- Rosiglitazona- não há o que discutir, mas na ocasião em que o colega medicou a paciente não havia este conhecimento de aumento do risco cardiovascular. A medicação está de volta ao mercado com as informações de risco cardiovascular na bula e uso permitido apenas para uma população muito restrita.
    http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa072761
    http://www.fda.gov/Drugs/DrugSafety/ucm241411.htm

    Aguardo a contribuição de vocês na discussão do caso.

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  5. Olá colegas, trabalho com o prof. Caramelli, o caso em questão apresentou uma opção que nao tomaria de conduta: O fato da paciente ter um perfil lipidico alterado com um sd metabólica em questão gostaria de saber os níveis presa ricos para melhorar o tto. Acredito que essa alteração lipidica possa também ter uma implicação da genética da mesma. A idade com a diminuição da carga hormonal diminui a proteção ateriaclerotica.
    A minha opção terapêutica seria um tto mais agressivo hipoglicemiante com outras associações e estatina com ezetimibe , posterior uso Fibratos.

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  6. Bom dia:
    Ótima discussão.
    Aqui vai a evolução do caso.
    A rosiglitazona foi suspensa, foi inciado fibrato e suspensa a atorvastatina. Aderiu a programa de exercícios regulares. O colesterol caiu, mas, permaneceu com triglicerídeos elevados. A lipodistrofia foi se acentuando e provocando dificuldades, não só estéticas. A perda da gordura na região glútea causava-lhe descoforto para sentar-se. Seu tratamento foi modificado para TDF + 3TC + ATV/r. Evoluiu com normalização da glicemia e HBalc, teste de tolerância a glicose normal, normalização do colesterol e redução dos triglicerídeos. O teste de esforço foi normal. O fibrato foi suspenso.Após vários meses de tratamento não notou melhora no lipoatrofia, mas parou de piorar. Feito preenchimento de face e região glútea com bom resultado. Permanece com CV indetectável.

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  7. Em tempo, recebi a resposta para alguns dos questionamentos: a paciente não é hipertensa, até o momento, e nem tem história familiar de hipertensão. Também não tem antecedentes familiares, conhecidos, de doença coronariana.

    Quero agradecer muito a participação dos cardiologistas na discussão do caso.
    Ressalto pontos importantes para os quais chamaram nossa atenção:
    1- Análise crítica das publicações.
    2- Uso de fibrato x estatinas.
    3- O risco cardiovasular aumentado com a rosiglitazona.
    4- Considerar uso de hipoglicemiantes e ezetemiba.
    5- Peculiaridade dos distúrbios metabólicos que surgem na mulher por ocasião da menopausa.
    4- A necessidade de exames para avaliação cardiovascular.

    Na minha opinião, a retirada da estavudina do esquema foi uma medida necessária.
    O ATV/r, assim como de FPV com 100 mg RTV e DRV/r tem menor impacto sobre os lipídios o que foi demonstrado em inúmeros trabalhos. Talvez o LPV/r pudesse ter sido mantido e observado o que aconteceria só com a suspensão da estavudina, mas não acho que a mudança do IP tenha sido uma medida inadequada.
    Chamo a atenção para o fato de ela ter tido litíase urinária com IDV. É preciso ficar atento já que há relatos de cálculos de ATV na literatura.
    Sugiro que dêem uma olhada nos comentários do Márcio Serra no caso 34 do blog.

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  8. Oi Tania,
    Este caso é daqueles complicados pois apresenta lipoatrofia periférica e lipohipertrofia central, conforme já comentei anteriormente o tratamento da lipohipertrofia central é sempre o mis complicado, principalmente porque nenhum estudo consegue identificar ainda porque alguns pacientes apresentam lipohipertrofia com o LPV e outros não, assim com os outros IPs, mas neste caso, emparticular, para mim há um fator desencadeante muito importante que parece que não foi avaliado que é o uso do d4T. Ele é o que mais causa toxicidade mitocondrial "in vivo", e consequentemente lipoatrofia periférica. Seu uso prolongado leva primariamente a diminuição das funções dos adipócitos e após alguns meses a morte deste adipócitos. Com diminuição do número, tamanho e apoptose dos adipócitos periféricos temos secundariamente a lipohipertrofia, quando os adipócitos centrais tentam armazenar a gordura para compensar a disfunção periférica. Só que mesmo estes adipócitos tem capacidade limitada é quando temos o aumento dos lipídeos circulantes, e consequentemente todos os distúrbios metabólicos como visto nesta paciente. Sendo assim mesmo com todas as medicações para a resistência à insulinas, para a dislipidemia, e tratamentos cirúrgicos (preenchimentos, implantes de silicone e lipoaspiração) não vão funcionar se o d4T não for substituído. Temos que considerar as alterações corporais não só como estéticas mas algumas são limitantes e até mesmo incapacitantes como algumas gibas e principalmente atrofia das nádegas que já vi. Nos casos de lipohipertrofia leve e níveis lipídeos séricos não muito altos os exercícios aeróbios são o melhor tratamento primário e nos casos moderados e graves mesmo após cirurgia/lipoaspiração há a necessidade de se mantê-los para evitar a recidiva do quadro. Na realidade, em minha clínica costumo conversar com os pacientes sobre os benefícios dos exercícios não só para a lipodsitrofia e distúrbios metabólicos como para uma melhor qualidade de vida.
    Márcio Serra

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